O culpado da vez

por fernanda pompeu

Esta semana fui comprar um remédio de uso contínuo para minha mãe. O plano de saúde dela oferece um desconto considerável no preço final. Aí sem pedir licença entrou o estresse. A moça da farmácia avisou que não me venderia as pílulas com desconto.

Antes que eu abrisse a boca, ela me calou: “O sistema travou”. “Qual sistema?”, perguntei. Com narizinho para cima respondeu: “O Sistema!”. Entendi que no lugar de dizer sistema, ela poderia ter dito “Deus”.

Da mesma forma que não adianta se insurgir contra o Criador, é inútil protestar contra O Sistema. Ele é onipresente e onisciente. Isto é, está em toda parte e tudo sabe. É o guardião de nossos dados e pecados.

Para quem, como eu, foi jovem nos anos 1970/80 temer o travamento do sistema soa engraçado. Pois, vivendo sob uma ditadura militar, tudo que ansiávamos era a queda do sistema. Este nada tinha de digital, o sistema então era o governo com suas repressões.

Mas sol se põe, lua surge, sol renasce. Hoje você fica sem tv, sem internet, sem cirurgia, sem namoro caso o sistema caia. Pior, ele não tem Sac, ouvidoria, ombudsman, Procon para a gente reclamar. Está acima do justo, do razoável, do solidário.

Ele também não apresenta materialidade. O que lhe dá um ar sobrenatural, fantasmagórico até. Um OVNI que quando funciona é o amigo. Quando falha vira o inimigo de primeiro grau. Ou a desculpa perfeita.

Minha senhora não posso fazer nada, é o sistema. O seu pagamento está dependendo da atualização do sistema. Por falha do sistema sua reserva neste voo não pôde ser confirmada. Não temos previsão de quando o sistema voltará a operar.

Penso que o sistema é uma espécie de bode expiatório. Houve uma época, da qual não sinto saudades, em que o bode expiatório era o comunismo. Fulano acusado de ser comunista perdia emprego, era preso, torturado.

A ditadura felizmente foi derrubada. Seu poder passou. O que todavia não passou é a vontade de encontrar um culpado. De preferência fora de nós.

Imagem: Régine Ferrandis.

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