O Esporte, o racismo e os estereótipos

Filme que marcou época nos anos 1990, principalmente na comunidade negra, e entre os jogadores de basquetebol. “Homens Brancos não Sabem Enterrar” (diretor: Ron Shelton).

Este texto surgiu das minhas divagações sobre o quanto racializamos nossos entendimentos e interações com os contextos da realidade que nos inserimos. Penso que somos condicionados a isso, haja vista a necessidade que temos, nós negras e negros, de, a todo momento, avaliarmos se estamos sendo vítimas do racismo quando somos abordados por alguém na rua, em um estabelecimento comercial, no restaurante, no trabalho, e em quaisquer outros contextos da vida social.

Por José Evaristo S. Netto, do Medium 

A condição de negras e negros nos influencia a, sempre, e cada vez mais, racializarmos nosso olhar e entendimentos da realidade!

Isso é bom? Não sei, tenho dúvidas das benesses desta condição, mas creio ser necessário estarmos atentos a lógica racista para criarmos condições de reagir positivamente às suas expressões, e, para além de apenas reagir, experimentar outros modelos de sociabilidade que sejam alternativas para este modelo insensível de “sociabilidade” colonial. O problema que vejo neste enredo é justamente a dificuldade em encontrar o equilíbrio e a saúde para que, por um lado, tenhamos a perspicácia necessária para lutarmos contra o racista e o racismo enquanto entidade e identidade cultural e para não estarmos cooptados pela colonialidade, e, por outro, para não pendermos para um extremo onde racializando toda e qualquer experiência, caiamos na armadilha ideológica de sempre perceber a causalidade das nossas ações a partir da oposição ao racismo que, neste limite, sempre estará pautando nossas motivações e ações.

Pensando sobre isso, e sobre alguns projetos esportivos que pretendo implementar, comecei a pensar no quanto que “Nós” próprios, pautados sobretudo pela lógica do racismo, em posição diametralmente oposta aos seus valores depreciativos à pessoa negra, mas, porém quase sempre utilizando a mesma lógica colonial, criamos nossos próprios estereótipos — refletindo uma história e uma raiz identitária, mas que não necessariamente representam a realidade do contexto em questão. Um exemplo disso é o contexto do Basquetebol, especificamente o ambiente sociocultural do Basquetebol de Rua.

Quando “Eu” penso no Basquetebol de Rua, sinto a tendência de relativizar todos os meus crivos valorativos para a criação de um modelo ideal, quer seja um homem negro viril, bastante assertivo e provocativo, bem dotado de atributos físicos, morador de algum bairro periférico, que “anda gingando” e falando gírias, e que gosta de Rap, para começar. É óbvio, porém ao mesmo tempo existem sutilezas implícitas neste pensar quando percebemos que mesmo que “Eu” não tenha nada a ver com este modelo idealizado, quando estou em quadra jogando Basquetebol de Rua, “Eu” incorporo este modelo, ou pelo menos muitas destas características, agindo com assertividade e sendo bem mais provocativo do que o habitual, e utilizando “signos identitários altamente racializados” que em outros contextos não utilizaria, e que talvez somente no contexto do ‘Basquetebol de Rua’ “Eu” os use.

O exercício a que me proponho nesta singela reflexão é perceber a lógica da colonialidade e do racismo operante no processo construção dos nossos próprios estereótipos através do Esporte, onde na busca da construção de uma modelo racializado — diferente de identidade racial — acabamos por criar nossos próprios limites, sendo que um homem ou mulher negro ou negra que não preencha estas especificações técnicas não seja valorizado(a) no contexto em questão.

Importante o entendimento da diferença entre o processo de racialização e identidade racial.

Entendo que os processos de racialização operam mediante marcadores sociais valorativos que acabam criando modelos sociais estereotipados, ao passo de que processos de identidade racial operam mediante valores socioculturais intergeracionais, ou transgeracionais, que dão sentido a localidade das causalidades das ações do indivíduo, conferindo a este indivíduo agência e historicidade.

O Esporte é uma expressão cultural super potente para a construção de modelos racializados, pois através das suas experiências do corpo, cria elos significativos com as pessoas despertando paixões e desejos (conscientes e inconscientes). O Futebol é repleto de exemplos, do Guarrincha ao Neymar, modelos estéticos carregados de elementos racializadores que dão forma aos modelos idealizados de jogadores negros e brancos, principalmente no contexto do futebol profissional.

É um pouco difícil discutir sobre estes assuntos, mas creio ser fundamental se quisermos construir ambientes de fortalecimento das nossas identidades raciais, ao invés de construirmos modelos racializados a serem seguidos como um padrão estético de indivíduo negra ou negro. Penso que temos que ter cuidado com estas armadilhas da colonialidade e da própria lógica racista.

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