Para a promotora, a violência contra o sexo feminino não distingue classes. “É um fenômeno tragicamente democrático”
Por: Cristina Grillo no Compromisso e Atitude
Na primeira década do século XXI, 50 mil mulheres foram assassinadas no Brasil –uma morte a cada hora e meia. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) afirma que grande parte desses homicídios foi consequência de atos de violência doméstica ou familiar, já que cerca de um terço deles aconteceram no domicílio das vítimas. A punição contra este tipo de crime, chamado feminicídio, pode se tornar mais dura caso a Câmara Federal aprove um projeto de lei que o inclui no Código Penal e entre os crimes considerados hediondos. Assim, os condenados pela morte de mulheres poderão ter suas penas aumentadas de um terço até a metade da punição determinada. “É um fenômeno tragicamente democrático, atinge mulheres de todas as classes sociais”, diz a promotora Silvia Chakian, coordenadora do Gevid (Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica) do Ministério Público de São Paulo e defensora da inclusão do feminicídio na legislação brasileira.
ÉPOCA – A lei Maria da Penha, em vigor há nove anos, não diminuiu a violência contra a mulher?
SILVIA CHAKIAN – Houve avanços, rompeu-se o padrão de ver a violência como algo comum, mas não houve redução nos índices. Ainda que haja uma diminuição do total de homicídios no Brasil, não aconteceu a mesma coisa no caso das mulheres. É uma epidemia mesmo.
ÉPOCA – Como se caracteriza o feminicídio?
SILVIA CHAKIAN – É um homicídio em que a questão do gênero tem grande importância. Grande parte dos casos acontece dentro de casa, com mortes causadas por parceiros que têm sobre as vítimas um poder de dominação, de hierarquia. O feminicídio é a última instância do controle da mulher.
ÉPOCA – Nos anos 80, advogados costumavam usar a tese da legítima defesa da honra para defender homens acusados de matar suas mulheres. Essa tese ainda é usada nos tribunais?
SILVIA CHAKIAN – Infelizmente, a essência da tese continua a ser usada nos plenários. Ainda há longas discussões a partir de estereótipos, como atribuir à vítima a culpa pelo crime, questionar sua fidelidade, argumentar que ela se recusara a manter relações. A tese continua lá, mas com outra roupagem. Ainda há quem fale em crime de amor
ÉPOCA – Atos de violência contra mulheres têm maior incidência em alguma classe social?
SILVIA CHAKIAN – Infelizmente é um fenômeno tragicamente democrático, que atinge todas as classes. E muitas vezes a mulher não se enxerga como vítima, nem o homem se vê como agressor.
Cristina Grillo