O livro que ele não escolheu

Entro na livraria Travessa…

Ipanema, Ah, a intelectualidade!

Para trás do roçar o pé no tapete ficou a cinzenta calçada portuguesa em chão estrangeiro; desabriga, a céu encoberto, o homem que abriga um livro aberto em suas mãos.

Olho a capa que, ao lhe tapar o rosto, o denuncia mais que as feições a nu.

Sei que as capas dos livros que lemos dizem tanto sobre quem somos … ou quem estamos sendo, ali.
Sim, o homem não entrou para escolher o livro em si, na higiene erudita das prateleiras.

Escolher não é privilégio para todos. Escolher é para quem tem preferências.

Foi o livro que o escolheu, talvez:

“Continuo Preta, A vida de Sueli Carneiro”…

E esse homem que lê o livro que não escolheu
derrama a imaginação no sarcasmo do travesseiro que é degrau de livraria. Então eu sei que o livro é pai e mãe, e voz serena para embalar quem vai dormir.
Só que o sono não chega porque a serenidade não cabe nas páginas de quem continua preta.

Há momentos em que as palavras são escusadas … como a compreensão. Ao não se escusarem, podem ser só lixo.

Já não há livro que me interesse, aqui nas prateleiras da Travessa de Ipanema.

Os meus olhos é que atravessam o asseio da janela envidraçada para se deixarem ficar pousados na incapacidade de literar o que veem.


Ana Sofia Brito começou a trabalhar aos 16 anos em teatro e espetáculos de rua; Depois de dois anos na Universidade de Coimbra estudou teatro, teatro físico e circo em Barcelona, Lisboa e Rio de Janeiro, onde actualmente estuda Letras.

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