Três jovens estão reunidos na rua, montados em suas bicicletas e contando piadas. Um deles resolve sacanear o outro amigo e sai correndo. Quantas vezes eu mesmo fiz isso na infância? Sinal dos tempos, o trio mantinha pelo menos um celular em punho e gravando.
Por Mauro Donato, do DCM
A partir daí pode-se ouvir os disparos que mataram Alan Souza de Lima, de 15 anos, e feriram Chauan Jambre na favela de Palmeirinha, em Honório Gurgel, zona norte do Rio de Janeiro.
O celular felizmente não morreu com a queda e permaneceu ligado. O vídeo resgatado proporcionou desmentir as já clássicas justificativas utilizadas e registradas pela polícia: resistência, troca de tiros, traficantes, suspeitos, confronto.
Nada disso havia ocorrido.
Eram apenas meninos passando o tempo fora de casa uma vez que o bairro estava sem energia elétrica.
O primeiro policial a se aproximar pergunta: “Correram por quê?”. Como assim? Crianças não podem mais correr na rua? E ao se deparar com a (mais uma) cretinice cometida, não aciona o socorro. No áudio é possível ouvir um morador corajoso “enquadrar” o PM: “Ô seu polícia, vai socorrer. Entra aí, socorre aí.” Como diria Paulo Nogueira, clap, clap de pé para o cidadão. Allan agonizava e Chauan rezava para não morrer. Apenas um sobreviveu.
Não existisse o vídeo muito provavelmente o caso se transformaria em estatística e a opinião pública média e preconceituosa manteria os garotos sob dúvida. Negros de noite na rua e na favela? Boa coisa não estavam fazendo não é mesmo? Só que não. Eram meninos completamente inocentes fazendo o que meninos fazem, divertindo-se.
Não existisse o vídeo, muito provavelmente o caso se transformaria em mais um auto de resistência, foco principal do projeto de lei 4471 que desde 2012 busca acabar com essa aberração.
No ano passado uma campanha foi iniciada em virtude da preocupação com a virada da bancada da Câmara com um fortalecimento dos amigos da bala. O ano acabou sem que o projeto tenha sido colocado em votação.
E assim vamos indo, amigos. Sorte de quem tem os filhos brincando nas ruas dentro de condomínios. Nas demais, é mais seguro ficar em casa, mesmo que no escuro.
Sobre o Autor
Jornalista, escritor e fotógrafo nascido em São Paulo.
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