O futebol no Brasil começou como algo apenas praticado pela elite de brancos. A aceitação do esportista negro no país era proibida por clubes de Rio de Janeiro e São Paulo, quanto mais da elite tais clubes fossem.
O primeiro clube a aceitar um jogador negro foi o Bangu, em 1905. Francisco Carregal, um tecelão de uma indústria local, teria sido o primeiro negro a jogar por uma equipe de futebol. Já o Vasco da Gama foi o precursor a colocar um time racialmente misto em campo, o que chegou a impedir o clube carioca de disputar o campeonato estadual por alguns anos.
Para poderem jogar, os afrodescendentes usavam toucas para esconder o cabelo crespo e se maquiavam com pó-de-arroz para clarear a pele. A fim de entrarem pela “porta da frente”, eles tinham que se passar por pessoas brancas.
No Rio Grande do Sul da década de 1910, os afrodescendentes eram segregados pela Liga Oficial, a Associação Porto-Alegrense de Desporto, comandada por times “brancos”. Essa exclusão originou a criação da Liga dos Canelas Pretas, a Liga Nacional de Futebol Porto-Alegrense.
A Liga dos Canelas Pretas era formada essencialmente por dois clubes: Bento Gonçalves e Rio-Grandense (não confundir com os homônimos de Santa Maria e Rio Grande), ambos já extintos. O presidente do Rio-Grandense à época era Francisco Rodrigues, pai do famoso compositor Lupicínio Rodrigues (autor do hino do Grêmio Football Porto-Alegrense) e tataravô desta modesta colunista.
O reconhecimento dos times de afrodescendentes ocorreu apenas na década de 1920, quando a Liga Oficial criou uma 2ª divisão, abrindo a oportunidade para jogadores e clubes negros, o que também resultou na decadência da Liga da Canela Preta. Porém, não havia promoção à 1ª divisão.
Em 1925, o Internacional deu o primeiro passo na quebra do preconceito racial no Rio Grande do Sul, com a entrada no clube do primeiro negro, o ponteiro-direito Dirceu Alves (meu bisavô). O ingresso de Dirceu, no entanto, serviu mais como marco do que de abolição da discriminação porque ele jogou apenas 10 jogos e ainda havia preconceito com negros nos clubes.
Foi também nesse ano que o primeiro negro se destacou no futebol brasileiro: Arthur Friedenreich. Fried, como era chamado, era mulato, alto, magro de olhos verdes e cabelo crespo, que alisava com gomalina – espécie de brilhantina – e toalhas quentes para parecer branco. Demorava tanto e era sempre o último a entrar em campo. Destacou-se jogando no Paulistano. Sobre o número de gols marcados por Fried, há uma discrepância de fontes: alguns chegam a afirmar que assinalou mais gols que Pelé, outros se utilizam dos jornais da época para atingir cerca de 550 gols.
A discriminação de jogadores negros nos clubes do país só viria a cessar a partir dos anos 40, época em que o Internacional idealizou o mítico Rolo Compressor, time formado essencialmente por mulatos e negros, o qual se destacou por ser extremamente ofensivo e pelas conquistas de títulos estaduais.
Infelizmente, as práticas de discriminação social e racial no futebol permanecem redundantes no mundo inteiro, dentre as mais vinculadas:
em 2005, o argentino Desábato foi acusado de racismo pelo atacante brasileiro Grafite. O zagueiro ficou preso por dois dias em São Paulo, acusado de injúria com a agravante de racismo. Foi solto após pagar uma fiança de R$ 10 mil, retornando à Buenos Aires e se comprometendo a voltar para todos os atos do processo. Tempos mais tarde, Grafite retirou a acusação;
em 2006, os torcedores do Zaragoza ofenderam o atacante camaronês Samuel Eto’o imitando macacos e atirando amendoim no gramado, o que rendeu ao clube um prejuízo de 9 mil euros (cerca de R$ 23,3 mil) decorrente de multa imposta;
no mesmo ano, na Copa do Mundo, o atacante ganês naturalizado alemão Gerald Asamoah, o primeiro negro a ser convocado na história da seleção alemã, foi discriminado pela própria torcida germânica.
A verdade é que por mais que exista preconceito na sociedade, é inegável a supremacia dos afrodescendentes no futebol e em outros esportes. Pesquisas demonstram que em negros os traços físicos favorecem a velocidade e a resistência.
Talvez por isso lembremos que os maiores craques do nosso futebol eram de pele negra: Pelé, Didi, Leônidas da Silva, Garrincha, Jairzinho, e vários outros. E muitos ainda surgirão…
Fonte: Futebolizando