O ‘nheco nheco’ balançado, cum fungado e cafuné

Amo os ritmos ditos matutos. A doce melancolia da moda de viola tem o seu lugar e da sanfoninha choradeira sai energia vibrante. Aprecio mais forró de raiz que acordes de sertanejo ou country, embora muitas músicas do estilo modão sertanejo sejam obras de arte. Há quem diga que a música caipira é uma coisa e a sertaneja é outra, pois só a caipira expressa uma filosofia de vida. Mas é ignorância musical detonar em bloco a música sertaneja alegando que dor de cotovelo e cornice imperam nas letras. Relembrando que há quem eterniza dores de amor em música e em versos, indago: quem nunca se roeu por um amor indiferente? Ou por um fora daqueles que deseja abrir o chão e entrar pra nunca mais ver a luz do sol?

Por Fátima Oliveira

Como esnobar a magia de um forró de sensualidade brejeira e pulsante como “Vou te matar de cheiro”, no vozeirão de Luiz Gonzaga? “Tô doidim, pra me deitar naquela cama/ Tô doidim, pra me cobri com teu lençol/ Doidim, pra te matar de cheiro, soprá no candeeiro/ Juntá nos travesseiro e começá nosso forró (bis)./ E hoje aconteça o que aconteça/ Vai ter amor da cabeça até o dedão do pé/ Quem é que não qué o nheco nheco/ Balançado, furruçado cum fungado e cafuné?” Embalada pelo resfolegar da sanfona, quedo-me à beleza da construção poética de “Vai ter amor da cabeça até o dedão do pé”. Quem não deseja? Só quem já morreu!

Eu babava nas festanças do tio Vicente Bodô nos casamentos das filhas, com sanfoneiros afamados, que iam até o sol raiar. Só dava Gonzagão: “Eu vou mostrar pra vocês/ Como se dança o baião/ E quem quiser aprender/ É favor prestar atenção”… (Baião). Depois de “Cintura fina”, era preciso parar para aguar o salão de terra batida: “Minha morena, venha pra cá/ Pra dançar xote, se deita em meu cangote/ E pode cochilar/ Tu és mulher pra homem nenhum/ Botar defeito, por isso satisfeito/ Com você eu vou dançar/ Vem cá, cintura fina, cintura de pilão/ Cintura de menina, vem cá meu coração…” E o “Xote das meninas”, invariavelmente, roubava a cena: “Mandacaru/ Quando fulora na seca/ É o siná que a chuva chega/ No sertão”…

Gonzaguinha e Gonzagão emocionam em: “Pense n’eu quando em vez coração/ Pense n’eu vez em quando/ Onde estou, como estarei/ Se sorrindo ou se chorando/ Se sorrindo ou se chorando/ Pense n’eu… vez em quando/ Pense n’eu… vez em quando (bis)… Tô feliz pois apesar do sofrimento/ Vejo um mundo de alegria bem na raiz (vamos lá)/ Alegria muita fé e esperança/ Na aliança pra fazer tudo melhor (e será)/ Felicidade o teu nome é união/ E povo unido é beleza mais maior”.

É um marzão de poesia. Eu, que vi e ouvi o Rei do Baião de pertinho, digo, na voz de Fagner: “Gonzagão puxe o fole, ai meu Deus que prazer/ bole até quem é mole, vai até o sol nascer/ na dança, na festa, no sarro, no suor…” (Forró do Gonzagão). É delícia ímpar Gonzagão em “Açucena cheirosa”, no Perdidos na Noite (Faustão): “Quem quiser comprar,/ eu vendo açucena cheirosa do meu jardim/ Vendo cravo, vendo lírio (…) Há festa nestes teus olhos/ Há fogo no meu coração…”

Precisa alumbramento maior do que “festa nos olhos e fogo no coração”? São versos lírico-eróticos como os acordes de “Amor que fica” (Ivete Sangalo, Zezé de Camargo e Luciano): “…Sou abelha do seu mel/ Tô na onda do seu mar/ Sou a lua do seu céu/ Sua estrela a brilhar/ Sou sua outra metade (…) Um amor assim fogoso/ Não é fácil encontrar/ Todo esse seu chamego/ É só pra me conquistar…” Não tenha vergonha de gostar: música caipira é cul-tu-ra e olhe o molejo que ela tem…

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