O Nunes do Nunes e o perigo de mais matança em São Paulo

Futuro vice-prefeito quer dar 'padrão Rota' à Guarda Civil Metropolitana

Nunes (MDB) venceu. O prefeito incidental, sem marca alguma em seu governo que seja digna de nota, venceu. O que sobrou da esquerda assistiu ao seu funeral, atônita, esmagada entre extrema direita e centro-direita, apesar de obter dois quintos dos votos no segundo turno.

Há lições a serem aprendidas pelo campo progressista em São Paulo nas alianças (faltou maior aceno ao centro, como fez Paes no Rio de Janeiro) e na comunicação (que, entre memes, não soube se conectar com os problemas reais da população, como fez Campos em Recife). Este obituário, provisório, há de ser escrito ainda.

Concentro-me, aqui, no entanto, em outro aspecto: o Nunes do Nunes. Com o prefeito eleito, venceu o ainda menos conhecido futuro vice-prefeito, o coronel Ricardo de Mello Araújo, ex-comandante da tropa de elite da Polícia Militar, a Rota. Cerca de 86% das pessoas que declararam voto em Nunes no Datafolha sequer conheciam seu vice.

Foi o coronel Araújo que defendeu, em 2017, quando comandava a Rota, que a abordagem policial nos Jardins deveria ser diferente da feita na periferia. “Não sou racista”, afirmou após a fala racista. Se não o é, o coronel Araújo tem apenas dado indícios no sentido contrário, qual seja, de pôr em prática um projeto violento de segurança.

Turbinada por uma decisão de 2023 do Supremo Tribunal Federal que considerou as guardas civis municipais parte do sistema de segurança pública —e não apenas agentes responsáveis por zelar pelo patrimônio municipal—, a guarda metropolitana paulistana terá, a partir de 2025, em sua liderança um vice-prefeito coronel disposto a expandir o poder ostensivo e letal da corporação, no estilo “Guarda padrão Rota”, definição dada por ele mesmo ao seu projeto que ameaça gerar mais matança por agentes de segurança, já em alta sob Tarcísio de Freitas.

Padrão Rota nada mais é do que uma guarda civil que, ilegalmente, passará a abordar mais negros e pobres, sem qualquer inteligência policial e de forma violenta. Junto com Nunes, venceu o fuzil na mão da Guarda Civil Metropolitana e, como de praxe, na cabeça de pobre e negro.


Thiago Amparo – Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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