Licença para matar
por Paulo Sérgio Pinheiro no Folha de São Paulo
O sr. Moro, com esse pacote, se comportou como elefante em loja de louças. Atirou para todos os lados.
Quer alterar nada menos que 14 leis, investe com sofreguidão sobre propostas já consideradas inconstitucionais pelo Supremo, como a vedação do regime de progressão da pena e a impossibilidade de concessão de liberdade provisória. E bota abaixo o princípio constitucional do trânsito em julgado da pena.
Não há surpresas. O pacote segue à risca o método pautado pela manipulação permanente do medo e pela fantasia de um Estado vingador que o sr. Moro tem personificado com maestria nos últimos anos.
O duo Bolsonaro-Moro vai consolidando sua política de segurança modelo bangue-bangue. O mesmo governo que duas semanas atrás, contra todas as evidencias existentes em matéria de violência no planeta, ampliou o acesso a armas de fogo.
Na ocasião, o sr. Moro concedeu, do alto de sua ínclita sabedoria: “Essa questão de estatística, de causa de violência, sempre é um tema bastante controvertido”.
Agora, ele cava espaço para as polícias ampliarem as justificativas pelo uso de suas armas.
Para que fundamentar cientificamente? Como perder tempo com diálogos com a sociedade civil, centros de pesquisa ou mesmo corporações? Basta o clássico showzinho de Power Point. Adorei ouvir o sr. Moro dizer que a “ideia principal” ( sic) do novo projeto é melhorar a qualidade de vida dos brasileiros, que desejam “viver em um país mais seguro”.
Pois podem os compatriotas tirar o cavalinho da chuva. Esse pacote não vai trazer melhoria na segurança pública para ninguém, em especial para a população tradicionalmente mais vulnerável à violência: jovens negros nas periferias, indígenas, mulheres, trabalhadores rurais, LGBTs. Enfim, grupos vítimas de formas estruturais de discriminação, compreendidas como “coitadismos que têm que acabar” pelo líder maior do sr. Moro.
Afinal, qual é a evidência apresentada para a alteração do escopo legal para a letalidade das polícias?
Estamos cansados de saber que as polícias intervêm por razões de segurança –em inúmeras situações onde não há nenhuma situação legal– sem a menor relação com os fins legais.
Assim, numa guerra contra o crime, as polícias militares continuam a se comportar como se estivessem enfrentando um “inimigo interno” a ser abatido.
A história da guerra contra o crime no Brasil é uma crônica de demagogia e fracasso, de resultados imprevistos e muitas vezes na direção oposta daquelas pretendidas. Em 2017 foram 63.880 mortes violentas, 5.144 mortes pelas polícias (14 por dia), 367 policiais mortos (um por dia).
Nesse contexto, as propostas para a atuação das polícias são a exacerbação da impunidade de fato que tradicionalmente beneficia suas execuções extrajudiciais e da consequente insegurança que esse modus operandi constitui para os próprios policiais.
Nos planos do sr. Moro, quando envolvidos em homicídios, policiais podem ter quase como certo responder aos inquéritos em liberdade, carta branca para ameaçar testemunhas e cometer mais mortes.
E, como brinde, terão a redução pela metade da pena , que deixará de ser aplicada se “decorrer de escusável medo( sic), surpresa ou violenta emoção”, uma delirante exclusão de criminalidade.
Todas essas chorumelas são para dourar a pílula , no caso a doutrina do governo “policial que não mata não é policial”. Missão cumprida, sr. Moro, parabéns.
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