O país que adotou a violência, mas quer abortar o criminoso

Em regra todo criminoso/delinquente/infrator contumaz possui valores próprios, singulares, que emergiram de numa realidade distinta da maioria de nós. A definição dele do que é certo, do que errado, do que é “bem” do que é “mal” (se é que existe), partiu de referências aleatórias, forjada em uma realidade da qual a maioria de nós teria repulsa. O resultado? Estamos em lados diametralmente opostos dentro de um mesmo (estreito) espaço de convivência. E qual a opção que fizemos? Reagir à violência congênita com (mais) violência. Uma adquirida e institucionalizada. Sem contar que, no cotidiano, reagimos com ojeriza a tudo que reflete ao periférico, atingindo até quem foi capaz de, a duras penas, se isentar dessa realidade (impositiva). Pronto, o ponto de ebulição foi estabelecido.

por Luiz Phelipe Fernandes Morais enviado para o Portal Geledés

Esse sujeito (que você não é obrigado a compreender, mas deveria) se vê na condição de delimitar o território. Um corpo estranho dentro do organismo (social) que, quanto mais é atacado, mais reage. Nesse conflito de ocupação social do espaço, ele usa a força, a destreza e a desobediência civil como elementos que o colocam em vantagem ante uma população supostamente refém e limitada ao regramento positivo, refletido nas leis que estipulam crimes e contravenções.

O direito penal intimida a camada da população que se define como “comum” (e que não está na cadeia), mas é indiferente em relação ao real destinatário. Quem já temia a lei anterior, vai temer uma nova. Quem desconhecia antes, desconhece ainda mais agora.

O criminoso, nesse conflito, age à revelia de qualquer legislação ameaçadora. Ele está completamente alheio a novidades legislativas criminais que você, ingenuamente, aplaude. A política criminal, na essência, tem as mesmas características em cinco séculos! No Brasil, institucionalmente, é o mesmo modelo desde 1824. O que conquistamos? Recordes negativos, violência sistêmica e títulos como o de um dos países mais inseguros do mundo para se viver.

Há dois caminhos:

1 – a gente segue a mesma prática, continua o discurso passional, prende mais, mata mais e defende que quem discorda tem “pena de bandido” ou;
2 – trata o assunto de maneira racional e se preocupa em lidar com o crime, antes de lidar com o criminoso; reorganizar as estruturas sociais antes de existirem vítimas. Tenta tornar mais igual e justa a ocupação humana do espaço urbano e vê, na prática, se tem como, uma vez na vida, fazer diferente.

– Não precisa ter “dó de bandido” (conceito raso), não precisa enxerga-lo como vítima, não precisa entender de onde ele vem e porque ele existe. O que você precisa é ser honesto diante dos fatos e reconhecer que a política (de sempre) que se defende só tem nos colocado cada vez mais em riscos.

A não ser que estejamos em “Brasis” distintos, mas por aqui: O direito penal endurece a cada dia, mais cadeias são construídas, mais gente é morta, mais gente é presa.
E o crime? Cresce, evolui, piora.

Que dia a gente vai se convencer de que não deu certo?

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

+ sobre o tema

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...

para lembrar

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...
spot_imgspot_img

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro no pé. Ou melhor: é uma carga redobrada de combustível para fazer a máquina do racismo funcionar....

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a categoria racial coloured, mestiços que não eram nem brancos nem negros. Na prática, não tinham...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira (27) habeas corpus ao policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida, réu por assassinato de Guilherme Dias...