O Partido dos Panteras Negras no século 21

Eletrizada e arrebatada, foi como me senti ao assistir o trailer do filme “Judas and the Black Messiah”, do diretor Shaka King (ainda sem previsão de lançamento no Brasil). O filme ficcionaliza um acontecimento verídico: o assassinato de Fred Hampton, uma liderança importante do Partido dos Panteras Negras.

O nome do filme faz referência à conhecida história bíblica de traição, possivelmente a maior de todas. Mas também há uma questão da época: o temor do surgimento do Messias Negro. A liderança que seria capaz de unificar politicamente a comunidade negra e estabelecer uma convergência entre os movimentos sociais.

O assassinato de Fred Hampton foi planejado pelo Cointelpro, um programa de contrainteligência criado em 1956 pelo FBI para eliminar a dissidência política no país. Em 1969, o seu principal alvo eram os Panteras Negras, considerados a ameaça número um à segurança nacional.

O Cointelpro partia da lógica de que tudo valia, inclusive o uso de métodos ilegais, para combater os inimigos internos. Um desses métodos foi a utilização de agentes infiltrados para desestabilizar os movimentos sociais. O assassinato de Hampton contou com a participação de um infiltrado, que passava informes à policia de Chicago. É o que revela a documentação do próprio FBI.

Mas o que há de tão especial na história dos Panteras Negras para que depois de tanto tempo continuem despertando interesse? Ressalta-se sempre a imagem impactante do grupo, o que acaba ofuscando aspectos importantes de sua história. Por isso talvez não seja tão conhecido o fato de eles terem como princípios políticos a luta por liberdade, poder popular, justiça e pelo fim da exploração econômica.

Um de seus grandes feitos foi elaborar uma política de intervenção e transformação do cotidiano de sua comunidade, sendo o exemplo mais conhecido o programa do café da manhã para as crianças. Mas existiram outros, como o programa pioneiro de promoção da saúde da população negra e a criação de escolas, além de outras ações sociais destinadas a atender demandas urgentes.

Por outro lado, como em todas as agrupações humanas, eles também tiveram de enfrentar contradições internas e problemas como o personalismo e práticas de autoritarismo.

Em tempo de Black Lives Matter, o legado do Partido dos Panteras Negras continua sendo um fundamento importante para ativismos negros em escala global, principalmente por sua forma contundente de confronto ao racismo e à supremacia branca.

É um legado vivo que continua alimentando sonhos de um mundo com justiça social e democracia.

Raquel Barreto
Doutoranda em história na Universidade Federal Fluminense, dedica-se a pesquisas sobre Angela Davis, Lélia Gonzalez e o Partido dos Panteras Negras

+ sobre o tema

Leilão da coleção de Emanoel Araújo é suspenso a pedido do governo federal

O leilão da coleção de obras de arte que pertenceram...

Geledés participa de audiência sobre Educação das meninas e mulheres negras na Câmara dos Deputados

Geledés – Instituto da Mulher Negra participou, nesta quinta-feira...

Grupo de mulheres brasileiras atua nas Nações Unidas contra o racismo

Em reportagem da TVT, Maria Sylvia de Oliveira, advogada...

No Paraná, letra dos Racionais MC’s ajuda na remição de pena

Uma decisão do Tribunal de Justiça do Paraná considerou...

para lembrar

Após polêmica com movimento negro, vereador do RS diz que raça está sendo “apurada”

"Kanelão" afirmou que é contra cotas porque não há...

O movimento negro e a Constituição de 1988: uma revolução em andamento

Arte: Gabriela Lucena “Queremos proclamar a nossa abolição. Não é ódio,...

Morte: Agregador, articulou cultura e educação no movimento negro

“Salve, salve”, dizia Luiz Inácio Silva Rocha ao encontrar...
spot_imgspot_img

A democracia corroída por dentro

Está evidente que a democracia é um regime político que pode ser corroído por dentro.A celeridade no avanço da chamada minirreforma eleitoral é um exemplo. Numa...

O Brasil em dívida com a democracia

No dia 17 de agosto passado Mãe Bernadete, Coordenadora Nacional da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos – CONAQ e líder do Quilombo Pitanga...

Manifesto – Pelo fim da violência policial e de Estado, nossas crianças e o povo negro querem viver! Chega de Chacinas!

Hoje, dia 24 de Agosto, é a data escolhida por organizações negras de todo o país para dizer: PAREM DE NOS MATAR! Nessa mesma...
-+=