O PL da Devastação institucionaliza o racismo ambiental no Brasil 

Artigo produzido por Redação de Geledés

Parece inacreditável que, em plena emergência climática, o Senado Federal tenha escolhido compor 54 votos a favor e 13 contra para fragilizar ainda mais o controle ambiental do país, abrindo caminho para o aprofundamento do desmonte das leis ambientais e das desigualdades sociais.

Na noite da última quarta-feira (21) o Projeto de Lei 2.159/2021 foi aprovado com discursos e sorrisos sarcásticos de Senadores comprometidos com o retrocesso do país. Apelidado de “PL da Devastação”, o texto flexibiliza as regras de licenciamento ambiental no Brasil.

O texto patrocinado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, amplia retrocessos do projeto que havia sido aprovado em 2021 pela Câmara dos Deputados, em especial com a Licença Ambiental Especial (LAE), sugerida em emenda de última hora pelo próprio Alcolumbre.

Esse projeto é um atentado contra o meio ambiente e, principalmente, contra os territórios e corpos negros, indígenas e periféricos. Ao priorizar de forma irresponsável a isenção de licenças e o autolicenciamento, a proposta tem potencial de agravar a degradação ambiental, representando grave ameaça a direitos humanos fundamentais. A flexibilização dos estudos, das condicionantes ambientais e do monitoramento pode resultar em desastres e riscos à saúde e à vida da população, com a contaminação do ar, dos solos e dos recursos hídricos, além do deslocamento de comunidades e da desestruturação de meios de vida e relações culturais. Também omite a crise climática: não há sequer uma menção em seu conteúdo ao clima. O licenciamento simplesmente irá ignorar esse tema. 

“Esse projeto de lei institucionaliza o racismo ambiental. Ele desconsidera a existência e a opinião de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais que podem ser impactados por empreendimentos econômicos. A proposta joga ao descaso e à violência comunidades de mais de 40% das Terras Indígenas e de mais de 95% dos territórios quilombolas do país. O texto prevê que a manifestação dos órgãos relacionados ao tema poderá ser desprezada na avaliação do resultado final sobre o licenciamento ambiental, o que encerra de uma só vez qualquer direito salvaguardado a esses povos.” Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA). 

O Observatório do Clima divulgou nota técnica onde destrincha o desmonte das regras do licenciamento ambiental no Projeto de Lei (PL) 2.159, a análise mostra que os principais retrocessos presentes no texto aprovado em 2021 na Câmara dos Deputados estão mantidos.

Na forma atual, o projeto não apenas ameaça intensificar a poluição, o desmatamento, as emissões de gases de efeito estufa e a perda de biodiversidade, mas também as desigualdades sociais. Está repleto de inconstitucionalidades, promovendo a fragmentação normativa entre estados e municípios e criando um cenário de insegurança jurídica que tende a gerar, como um dos seus principais efeitos, uma enxurrada de judicializações. Em vez de estabelecer regras claras, juridicamente coesas e efetivas, como se espera de uma Lei Geral, o projeto abre caminho para o caos regulatório e o aumento da degradação ambiental.

O Instituto Socioambiental (ISA) publicou nesta segunda-feira (19/05) uma Nota Técnica sobre os impactos catastróficos do Projeto de Lei nº 2.159/2021, que tramita no Senado e propõe a criação de uma nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Já aprovado pela Câmara dos Deputados, o texto representa uma ameaça direta à integridade de mais de 3 mil áreas protegidas, incluindo Terras Indígenas (TIs), Territórios Quilombolas (TQs) e Unidades de Conservação (UCs). Se aprovado, o projeto pode causar um dos maiores retrocessos ambientais da história recente do Brasil.

De acordo com o documento, o PL “apaga” da legislação, para efeitos de licenciamento, 259 Terras Indígenas — ou quase um terço de todas as TIs existentes — e mais de 1,5 mil territórios quilombolas (cerca de 80% dessas áreas) completamente vulneráveis à ação de empreendimentos que, até então, precisavam respeitar regras ambientais mínimas. “Esses territórios, para efeitos do licenciamento, simplesmente deixarão de existir”, alerta a Nota Técnica — uma violação direta dos direitos constitucionais dos povos tradicionais.

O PL passou com folga mesmo com a sociedade civil organizada em ampla mobilização contra o desmonte e uma nota técnica divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente, “representa desestruturação significativa do regramento existente sobre o tema e representa risco à segurança ambiental e social no país”. E declarações duras da Ministra Marina Silva contra o projeto. 

Os senadores aprovaram uma lei com a motosserra, abrindo a porteira da desgraça e da política do deixar morrer. Não há boas notícias sobre a votação do PL na Câmara dos Deputados, de onde o projeto já tinha saído com uma redação bem ruim. Se espera um veto do Presidente da República, que se não vetar mostra que a falácia do discurso sobre liderança ambiental em ano de COP no país é apenas um discurso vazio e a espera de petróleo e devastação socioambiental. 

Perdemos todos. O país perde. A defesa de leis responsáveis para o licenciamento não é ideológica, Senadores. É para evitar desastres ambientais que tiram vidas nas periferias e nas florestas, é para evitar riscos à saúde causados pela poluição, pelas mudanças climáticas. É para garantir que na esteira para o fim do mundo não sejam os corpos negros, indígenas e quilombolas mortos primeiro. 


Mariana Belmont, jornalista, pesquisadora, Assessora de Clima e Racismo Ambiental de Geledés – Instituto da Mulher Negra e organizadora do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil” (Oralituras, 2023)

Thaynah Gutierrez, administradora pública, pesquisadora, secretária executiva da Rede por Adaptação Antirracista e consultora do Observatório do Clima.

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