O ponto mais alto do identitarismo brasileiro

'Sistema meritocrático' seleciona preferencialmente grupo masculino e branco

Neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, temos pela primeira vez um feriado nacional e a sociedade, em diferentes dimensões, bastante mobilizada sobre o tema da equidade de raça e gênero. O Brasil termina o G20 e recebe a declaração final da sua cúpula social com destaques à centralidade do trabalho decente como forma de superação da pobreza e das desigualdades, lembrando sempre que neste país os segmentos mais afetados pelas desigualdades são a população negra, as mulheres, os indígenas, e os quilombolas, mais prejudicados pela fome, pelas emergências climáticas e pelos desastres naturais.

O documento oficial do G20 reconhece essa demanda da cúpula social, lançando inclusive uma Campanha Internacional de Combate à Fome e à Pobreza, e é importante destacar o quanto essa decisão pode ser importante para esses grupos vulnerabilizados, maioria dentre os que vivem em extrema pobreza no Brasil.

E também neste 2024 foi lançada a Política Nacional de Equidade e Educação para as Relações Étnico-raciais e Educação Escolar Quilombola, visando implementar ações e programas educacionais para superar as desigualdades na educação.

É uma política robusta, da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão). Essa secretaria já tornou público um sistema de metas e monitoramento, para assegurar a implementação da lei que obriga o ensino da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena (LDB alterada pela lei 10.639/03). A política enseja, dentre outras ações, formação de gestores e educadores e a execução de protocolos de prevenção e resposta à violência racial nas escolas.

Mas o MEC nos deve igual robustez no processo de revisão do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), principal indicador da qualidade da educação básica, processo que ocorre neste momento. O princípio da representatividade e da valorização da diversidade, tão amplamente preconizado pelo governo federal, precisa ser respeitado.

É fundamental assegurar a representatividade negra e de gênero na comissão designada para fazer a revisão do Ideb. E o segundo ponto: é essencial que, na sua formulação, o Ideb contemple marcadores econômicos e étnico-raciais. Assim é que precisamos nos manifestar para que a política para a equidade na educação básica, fundamental para o avanço da luta antirracista, saia fortalecida do processo de revisão do Ideb.

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E, quanto mais avançamos, mais surgem reações de segmentos que se sentem ameaçados com as vozes femininas, negras, indígenas, quilombolas, que vêm exigindo combate às desigualdades e discriminações em diferentes áreas.

Não é de estranhar a acusação de que são identitários todos os grupos que pleiteiam políticas de equidade, como se o grupo masculino e branco não fosse o ponto mais alto do identitarismo brasileiro, já que o “sistema meritocrático seleciona” preferencialmente esse grupo. Majoritário na liderança do Judiciário, do Parlamento, do Executivo, das empresas, das universidades, dos sindicatos etc…etc… Se isso não for identitarismo, o que seria?


Esta coluna foi escrita em parceria com Flávio Carrança, da Cojira


Cida Bento – Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP

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