Aos racistas demissão

Banalização do racismo recreativo é a faceta mais perversa da desigualdade racial no país

Não é trivial que bancas de advocacia de renome, rapidamente, tenham identificado e demitido os estudantes de direito da PUC-SP que proferiram insultos racistas e classistas contra alunos da USP durante os Jogos Jurídicos. Tampouco era inesperado: a rápida reação é fruto direto do acúmulo de práticas afirmativas dentro do meio jurídico. Comissões de igualdade racial são cada vez mais comuns na OAB, o CNJ adotou, no último dia 19, protocolo para julgamento com perspectiva racial, e coalizões de escritórios como a Aliança Jurídica pela Equidade Racial e projetos como Incluir Direito se multiplicam.

Nem tudo são flores, no entanto. Avanços são importantes, mas ainda precisam ganhar mais tração em termos de contratação e permanência. Entre 2019 e 2022, a presença de advogados negros nos grandes escritórios de SP passou de menos de 1% (eufemismo para quase nula) para 11%. Além do baixo número, a desigualdade persiste: salário menor na advocacia é mais frequente entre mulheres e negros, segundo levantamento da OAB de junho deste ano.

Vídeo mostra estudante fazendo gesto que simboliza contagem de dinheiro, enquanto alunos da PUC gritam ‘cotista’ e ‘pobre’ durante jogo contra USP nos Jogos Jurídicos Estaduais – Reprodução/Bancada Feminista do PSOL no Instagram

Não há zona cinzenta aqui: demitir racistas pegos em flagrante em vídeo significa responsabilizar estudantes acostumados ao privilégio de fugir, como se inimputáveis fossem, da responsabilidade por seus atos. Cabe às universidades abrirem sindicâncias para, com ampla defesa, processar os estudantes e usar o episódio para promover o debate entre docentes e discentes. Punição rigorosa é vital, mas não resultará em mudança da cultura universitária sem processos comunitários de justiça e reparação.

Fato é que a banalização do racismo recreativo é a faceta mais perversa e cotidiana da desigualdade racial no país. O último Datafolha revelou que para mais da metade dos brasileiros a maioria do país é racista, manifestado em especial nas atitudes das pessoas. No país onde até o século passado se exibia, como se curiosidade fosse, o corpo negro de Jacinta Maria de Santana na sala de aula da USP Direito, e até ano passado as salas do Largo São Francisco homenageavam eugenistas, o caminho para um sistema jurídico mais equalitário passa por reconhecer que, entre os quadros advocatícios, não há lugar para racistas.


Thiago Amparo – Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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