O preço do funk

Em ambiciosos produtos audiovisuais, os funkeiros cariocas Anitta e Nego do Borel embolam alta tecnologia pop, discursos identitários e preferências ideológicas

Por Pedro Alexandre Sanches, da Carta Capital 

Um repaginado Nego do Borel se veste de mulher (Reprodução/YouTube)

O gênero musical que um dia foi conhecido como funk carioca parece disposto a capturar o mundo na figura de Anitta, cantora e compositora nascida em Honório Gurgel, na Zona Norte do Rio. O videoclipe de Medicina coroa uma temporada dedicada a transações musicais transnacionais e elege sublinhar um imaginário BRICS, somando cenas em que a funkeira canta em espanhol nas ruas da Colômbia a imagens corais de figurantes com fisionomias brasileiras (amazônicas e indígenas), russas, indianas, chinesas/japonesas e africanas.

Além de alavancar o próprio trabalho, a artista tem se empenhado em defender a nova empreitada do também funkeiro carioca Nego do Borel, ruidoso no lançamento do videoclipe Me Solta, uma versão masculina do anterior Vai Malandra (2017), de Anitta.

Em imagens exuberantes gravadas na comunidade do Borel e sob ritmo de funkão de raiz, o artista de identidade pública não homossexual aparece vestido de mulher (em modo caricato) e em quentes beijos na boca com um modelo branco musculoso. As comunidades gay e trans ajudaram a promover Me Solta com a habitual cota de publicidade negativa, criticando o oportunismo pink money do artista supostamente heterossexual.

Nego do Borel e Anitta querem o mundo, seja hétero ou gay, masculino ou feminino, rico ou pobre, primeiro ou terceiro-mundista, reacionário ou progressista. Pouco antes do clipe trans-homoerótico, o funkeiro confundiu mentalidades ao posar ao lado do presidenciável homofóbico Jair Bolsonaro.

Expoentes da nova cena como Anitta e a pós-drag queen Pabllo Vittar relacionam-se proximamente com produtores como o estadunidense anglo-germânico Diplo (descobridor da funkeira de ascendência asiática M.I.A.) e o paranaense Rodrigo Gorki, cuja banda de funk mauricinho curitibano Bonde do Rolê mantém relações umbilicais com o Movimento Brasil Livre (MBL).

Enquanto Roberto Medina, o dono do Rock in Rio, presta serviços políticos para Bolsonaro, o pop brasileiro multiétnico de multidão ancora-se no discurso identitário para pregar uma pós-ideologia que viaja por todo o espectro político, em busca de atingir um resultado chamado Brasil.

O desajuste vaza por todos os furos. Irritada com notícia da Globo sobre um suposto mau desempenho de Medicina nas paradas do YouTube, Anitta decifrou a bula do remédio em uma série de tweets mais aparentados com cálculos mercadológicos de marca do que com entretenimento, música ou arte. Passou recibo: a fórmula de Medicina não encontra apoio na realidade, já que o Brasil de Temer, Alckmin, Meirellese da chapa JaJa arrancou o “país tropical abençoado por Deus” da filosofia BRICS.

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