O mês de março se aproxima, mês internacional das mulheres, assim como a revisão de diversos planos diretores pelo Brasil. Há muitos anos venho me dedicando às novas formas de planejamento urbano e como setores marginalizados no debate urbano – onde eu insiro as mulheres – podem impactar o futuro das cidades.
Objetivamente o planejamento da forma como o consolidamos no Brasil sofre de três graves problemas centrais: a descontinuidade das políticas propostas e consolidadas pelos planos, o que gera o sabido “planejamento de gaveta”, um emaranhado de boas ideias que não são postas em prática ou fora da realidade; a inexistência de aplicação de instrumentos propostos nos escopos dos planos e a ausência da participação de representantes de todos os setores sociais na gestão urbana, seja como tomadores de decisão, seja como participantes do processo de elaboração das práticas.
Juventude, negros, populações vulneráveis (em situação de rua, adictos, ciganos etc), idosos e mulheres são majoritariamente excluídos dos processos de decisão urbana, numa reprodução do que chamamos de establishment urbano. Numa sociedade como a brasileira, onde os tomadores de decisão são em sua maioria ainda reprodutores do privatismo oligárquico e do capital produtivo mais tradicional (construção civil, logística, hotelaria, indústria naval etc), a presença da perspectiva feminina (e feminista) é quase que inviabilizada.
A falta de letramento urbano para outras chaves de conhecimento na área, o que Ermínia Maricato chamará de analfabetismo urbano, induz à reprodução de aspectos replicantes na cidade, como pobreza, concentração de privilégios urbanos, setores econômicos territoriais e violência contra às mulheres, no meu caso a chave de minhas investigações e que conduzem este artigo.
90% dos municípios com mais de 20 mil habitantes tem Plano Diretor e, desses, mais de 70% possuem Conselhos Municipais. Apesar dos números animadores, de todos esses municípios apenas São Paulo possui um Conselho da Cidade com paridade de gênero, inserindo mulheres nas deliberações cotidianas das cidades.
A inserção de mulheres no debate, além de pedagógico, reforça elementos estratégicos para a implementação de políticas urbanas de reparação e equidade de gênero. Solicitações de trajetos urbanos diferenciados, que se adequem à vida das mulheres, iluminação, acesso à água aumentam em quase 90% quando as mulheres participam. Nesse sentido, o que foi pensado a partir da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres, a Conferência de Beijing, realizada em 1995, deve ser exponenciado: as mulheres devem disputar conselhos próprios e obter assento em todos os Conselhos de representação urbana e participar dos planos diretores.
Barcelona, com suas representações de mulheres por bairro e Quito, com os conselhos de mulheres populares são “cases” de inovação da equidade de gênero: a pressão das mulheres para que casas de parto, que medidas de mitigação de violência sexual aconteçam e modelos de cidade adequados à realidade das mulheres existam são fundamentais. Hoje, coletivos de urbanistas feministas pelo mundo calculam os impostos de enfrentamento à misoginia, o “misogyny tax”, para que a construção de fundos de equidade aconteçam. Hospitais cesaristas pagam uma taxa extra para funcionar, prédios com aluguéis abusivos perto de escolas e creches pagam mais, prefeituras que não apresentam planos de enfrentamento à violência de gênero são multadas e assim por diante.
Portanto, é urgente entendermos o grau de disputa urbana que mulheres organizadas podem operar, além da responsabilidade no avanço da qualidade da cidade que podemos gerar a partir da organização de mulheres. Cabe ao movimento de mulheres absorver a discussão urbana como estratégica para que as mudanças estruturais que queremos aconteçam.
No mais é rua e luta. É pela vida das mulheres!