O Brasil tem uma desigualdade renitente porque não deseja e não suporta decifrar suas entranhas em que o componente étnico-racial, desde sempre, foi e continua sendo o seu vetor estruturante. A pobreza e a desigualdade aqui têm cor e procedência.
Por Helio Santos Do Brasil de Carne e Osso
Uma Corrente pela Equidade Racial
A farsa do impeachment é apenas a ambiência preparada para uma agenda que vem sendo chamada pela grande mídia de “liberal”. Em verdade, trata-se de uma agenda de reação contra direitos conquistados, reafirmando um posicionamento de Milton Santos: “Aqui se luta pela manutenção de privilégios; não por direitos.”
Quando ruralistas, evangélicos e MPL se unem para forçar uma agenda conservadora, como se posicionar contra ela de forma eficaz?
Fugi da ideia de “Partido Negro” a vida toda, mas algo precisa ser feito. Os partidos não assumem nossa agenda inteira. Nos anos 80 a esquerda se posicionava contra a pauta específica racial, nos 90 não jogou firme ao nosso lado quando sofremos um ataque midiático sem precedentes e neste início de século os ditos “progressistas” não decifram uma agenda adequada para o Brasil de carne e osso. Claro, o ativismo negro tem muita responsabilidade nisso – todos e todas nós.
O sectarismo, aparentemente manso, dessa “agenda liberal” não é bom para o país, porém ele acaba nos inspirando para uma ação política que é o perfeito avesso daquela ideia.
Subversão Santa
Não se desenvolve uma corrente com aquela missão sem 2 elementos cruciais: 1) lideranças proativas que não partidarizem a questão racial e 2) Tecnologia de informação adequada, pois somos um país continental com mais de 5.500 cidades. É necessário explicar: “não partidarizar”, significa não crer que cabe a quaisquer dos partidos existentes a primazia de levar a bandeira da equidade racial. Os/as ativistas podem estar nos partidos, mas conscientes de que nenhum deles tem a compreensão de que esta questão é o que estrutura as desigualdades no Brasil.
Uma Corrente pela Equidade Racial no Brasil, pode se revelar um instrumento adequado para discutir com profundidade o advento de uma cultura de desenvolvimento nova, plural e mais justa. Uma sociedade que em vez de hierarquizar as diferenças, busque valorizá-las e preservá-las. Enfim, uma sociedade que dê término a essa indecência que em pleno século 21 mantém o “país do futuro” convivendo com doenças como a dengue, zika vírus, tuberculose, doença de chagas e outras pragas antigas que são as chamadas “doenças de pobres”, que ainda nos avassalam.
Todavia, como bem observa Edson Cardoso, esse protagonismo para terefetividade de cunho político precisa estar direcionado. Não existe outra direção que não seja a da Equidade Racial. Tudo o que se fez até aqui no Brasil não foi capaz de torná-lo um País cidadão. Pelo contrário: a subcidadania renitente que nos flagela o comprova de maneira cabal e ordinária.
Ninguém poderá dizer que essa é uma agenda para a população negra apenas – mais da metade do país -, pois se trata de uma resposta inteira às desigualdades que tornam o Brasil um gigante com os pés de barro. Portanto, reafirma-se aqui uma posição que temos reiterado: a batalha pela equidade racial, longe de ser um problema, é a busca de um caminho para o Brasil, cujo rumo jamais se ajustou.
Portanto, nossa provocação que se completa nesse último texto, responde parcialmente à questão-título, deixando em aberto, contudo, qual o mecanismo a ser usado para a colimada efetividade política.
As lideranças negras têm errado muito e o preço, muitas vezes, tem sido pago com a vida de muitos dos nossos; especialmente os mais jovens. Continuamos a ser os derradeiros subversivos do Brasil. Temos de praticar uma subversão santa iniciada no fim do século 16, quando a ideia de liberdade nas Américas foi fincada pela primeira vez pelos Palmarinos. Precisamos honrá-los.