Perfil e frente de Anita Malfatti
Eu sei. Você talvez tenha se fartado de ler sobre os modernistas de 1922. Boa parte do jornalismo vive de efemérides, e a Semana de Arte Moderna sempre dá pauta. Ocorre que algumas das personagens, ligadas direta ou indiretamente à Semana, seguem vivas no que eu faço e, provavelmente, no que você faz.
Por Fernanda Pompeu em seu blog
Por exemplo, toda vez que a gente escreve curto, ou somos irreverentes com a semântica e a sintaxe, tem a ver com Oswald de Andrade (1890-1954). O bruxo-mor do modernismo escreveu o bem-humorado e bem pensado Manifesto Antropófago. Nele, a providencial advertência: A alegria é a prova dos nove.
Toda vez que levamos a sério a pesquisa da arte popular, ou nos apaixonamos pelo café de São Paulo e o leite de Minas Gerais, ou somos generosos com jovens e velhos poetas, estamos evocando Mário de Andrade (1893-1945). É dele o Pauliceia Desvariada que contém o poema Ode ao burguês.
Sei que é raro, mas quando criamos frases encantadas, ou quando viramos crianças que escrevem bem, o anjo da guarda é Manuel Bandeira (1886-1968). O recifense do: Teadoro, Teodora e da Irene que não precisou pedir licença para entrar no céu.
Nos momentos em que nos tornamos seríssimos e, apesar disso, poetas. Ou no momento em que acreditamos ser possível transformar a vida com a força das palavras, o grande mestre é Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Aquele que bolou o slogan do modernismo: Stop / a vida parou / ou foi o automóvel?”
Também quando juntamos militância com poesia, feminismo com boa prosa, irreverência com vida, a referência é Patrícia Galvão (1910-1962), a Pagu. Jornalista e autora do Parque Industrial – uma beleza de história, hoje caída no esquecimento mas que de repente pode ressurgir e encantar a moçada.
Há mais três mulheres da vigorosa turma das artes plásticas. Tarsila do Amaral (1886-1973) com seu famoso Abaporu – que inspirou o Oswald a escrever o Manifesto Antropófago. Djanira (1914-1979) com suas impressionantes cores. Anita Malfatti (1889-1964), autora do quadro O Homem Amarelo – obra que tirou do sério o escritor Monteiro Lobato (1882-1948).
Não esquecer jamais dos herdeiros de 1922. A saber, os tropicalistas, os concretistas, os do Teatro Oficina. Lembrar sempre do herdeiro Paulo Leminski (1944-1989), poeta de alta grandeza. Sujeito que sintetizou com precisão o desafio da escrita atual: Que a estátua do rigor e a estátua da liberdade velem por todos nós.
Apesar das mais de 9 décadas da Semana, e de suas personagens terem partido desse mundo, o espírito modernista segue nas ruas, nos grafites, nas redes sociais, em nós. Ele ressuscita toda vez que nos entediamos com os textos de terno e gravata, com a verborragia dos poderosos, com a pompa e circunstância da prosa oficial.
PS: Notem que há muitos Andrades entre os modernistas: Oswald, Mário, Carlos. Conto a vocês, sem me comparar, mas orgulhosa com isso, que também sou uma Andrade. Está na minha certidão: Fernanda Andrade Pompeu