Uma característica da branquitude é o vitimismo. Essa afirmação destoa do quadro que visualizamos nas redes sociais, local onde as minorias raciais são o alvo recorrente desse termo. O grupo racial branco age de maneira sistemática a inferiorizar as denúncias de racismo colocando no campo do vitimismo, ou da nova terminologia onde a denuncia recebe o nome de cancelamento.
No entanto, ao observarmos esses mesmos ambientes é perceptível o comportamento de vitimização daqueles que sempre foram os algozes, quando estamos nos referindo ao debate racial. E o que quero dizer com isso?
Recentemente vemos uma onda do termo cancelamento para expor a militância, inclusive a negra, como algozes de pessoas comuns que em muitos momentos foram racistas, mas se colocam como as vítimas. Exemplo recente é caso do youtuber Bruno Aiub (Monark) dono do Flow Podcast que ao ser acusado de racismo e antissemitismo (que cometeu abertamente e várias vezes) apontou que estava sendo censurado e cancelado. A realidade é que o mesmo já anunciou sua volta ao trabalho e as redes sociais pouco tempo depois do episódio.
Indo ainda mais fundo e atrelando redes sociais a produção acadêmica, reconhecidos estudiosos e grandes pesquisadores das questões raciais no Brasil, nos apresentam atualmente uma produção ressentida e acusativa, como é o caso do antropólogo Antônio Risério que chegou a publicar livros chamando o movimento negro de fascista. O mesmo autor, recentemente entrou em uma forte polêmica ao publicar o artigo intitulado “racismo de negro contra brancos ganha força com o identitarismo”, suscitando fortes debates nas redes sociais. Em entrevista chegou a aponta a inexistência do racismo estrutural, o qualificando como “malandragem jurídico-ideológica” e “essencialmente desonesta”.
Tivemos fortes mobilizações com os dois casos. Em ambos não viveram o que acusam que é um silenciamento sistêmico e opressão. O cancelamento é afinal a denúncia do racismo, a imposição da voz de quem se sente vitimizado, as elaborações teóricas negras e que, infelizmente, não são capazes de destituir do poder esses homens que o detêm dentro de uma estrutura racista. Complementando, o tal cancelamento é tão falacioso que Risério continua ministrando seu curso on-line “Identitarismo e questão racial”, enquanto Monark retorna as redes sociais com a declaração soberba de que terá “mais liberdade que nunca”.
No campo do debate racial, não só esses citados como outros inúmeros pesquisadores, youtubers, professores brancos têm é o receio que nós sejamos iguais a eles. Que assumamos suas posturas arrogantes, preconceituosas, violentas e excludentes. Que queiramos eliminar toda produção epistemológica produzida por eles até hoje. Nos medem por sua régua, mas não se comportam como nós na reação.
Estamos há séculos nesse país lutando contra o genocídio físico e epistêmico. No campo acadêmico nos colocamos contra uma sociologia do exótico como bem nomeou a historiadora Beatriz Nascimento (2018). Assumimos uma postura de altivez, esperteza, criatividade e elaboração teórica para escrever nas margens e dominar o conhecimento do centro, como nos diz Guerreio Ramos (1957) somos o negro vida que fugidiamente inscreve sua história e saber em um país que tenta nos calar forçosamente.
O comportamento vitimizado da branquitude que se esconde atrás de termos como cancelamento e identitarismo só denota que na prática, apesar de não serem eles as vítimas, ao serem confrontados, são reativos, violentos e assumem uma postura de não diálogo – e nos acusam de não estarmos abertos ao debate como aponta a socióloga Robin Diangelo (2018) no importante livro sobre fragilidade branca. Ou ainda, como nos alertava Frantz Fanon (2008) e Grada Kilomba (2019) vivem num intenso processo de projeção de nos acusar daquilo que eles fazem, isso não é uma novidade.
Bruna Santiago é Historiadora. Mestre em História. Doutoranda em Sociologia (UFS). Autora do livro “O pensamento de Angela Davis: Perspectivas de liberdade e resistência” e criadora do perfil no instagram @leituraspretas.
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