O negro neste país está acordado, alerta, e vai continuar sua luta sempre. Isto é um processo irreversível!
– Abdias do Nascimento
De uns tempos pra cá tenho percebido o aumento no número de brancos interessados nas questões raciais, e isso deveria ser considerado um fenômeno, afinal, por décadas eles mesmos negligenciavam as discussões dessa natureza. E quando não conseguiam, utilizavam o mito da democracia racial como argumento para abreviação do debate. Sem contar os mais incomodados, que reagiam de maneira estúpida dando a impressão de que estavam sendo chamados para uma briga. Mas, de todos esses, havia os que reconheciam a existência do racismo, porém argumentavam que era uma manifestação de caráter individual “casos isolados”. No entanto, não conseguiam explicar o porquê de os negros constituírem a população mais vulnerável (social e econômicamente) no Brasil. Se olharmos com cuidado para todos, concluiremos: os racistas são pessoas covardes; e aqui lembro a reflexão irrefutável do panafricanista Abdias do Nascimento (2013) “o racismo no Brasil se caracteriza pela covardia. Ele não se assume e, por isso, não tem culpa nem autocrítica”. Além disso, confesso a você que algumas coisas me inquietam, mas, antes de expô-las, ressalto que os negros estão cansados. Não suportamos mais o bombardeio de notícias mostrando negros sendo massacrados diariamente, sofrendo privações que impossibilitam que tenham o básico para a sobrevivência, somadas a sombra da morte no encalço. Quantas gerações ainda faltam para que a humanidade existente dentro do corpo negro seja reconhecida e a cidadania plena não seja mais utopia?
Lamentável. Mas, retomando ao início do texto, estamos vendo os brancos compartilhando com freqüência, nas redes sociais, notícias e denúncias, escrevendo artigos de opinião e declarando nas entrevistas conteúdos relacionados ao racismo; “nós somos privilegiados”, “o problema é o racismo estrutural“, “eu sou antirracista” são construções comuns em seus discursos. Eles convidam os negros para palestrarem nas empresas, participarem de debates nos programas na televisão, escreverem em colunas de jornais e revistas, entre outros espaços onde a presença negra era coisa incomum. Apesar de tudo isso, será que podemos contar com um radicalismo no combate ao racismo que extrapole essas atitudes? Ou estamos presenciando o racismo vestindo novas roupagens para preservar os pilares que o sustentam? Não desconsidero a importância das mudanças, das oportunidades e potencialização das discussões que possibilitam demonstrarmos a existência de um sistema complexo que impacta cruelmente a nossa sobrevivência. O privilégio branco é um estatuto que precisa ser abolido, e qualquer coisa que o confronte, ainda que minimamente, carrega o seu valor. Entretanto, não podemos ser ingênuos e acreditar que a mudança de comportamento surgiu de um ato de generosidade ou descargo de consciência. Na realidade, é o resultado do confronto da população negra em todas as esferas da sociedade, pois conseguimos estabelecer como ponto indiscutível – baseado na realidade concreta – de que qualquer pessoa que conteste as denúncias de racismo estará colaborando com sistema. Portanto, a postura dos brancos é uma resposta a isso, mesmo que seja enganosa.
Mas, mesmo que sejamos otimistas, o desejável está distante de acontecer. Muitos brancos estão se comportando como se o racismo chegasse ao fim somente com discursos. Eles precisam compreender que o antirracismo é ação concreta de ordem imediata e preventiva. Antirracismo é enfrentamento contra tudo que causa sofrimento e impossibilita o acesso democrático dos negros em todas as esferas da sociedade. Isso passa pelas escolhas políticas no período eleitoral, responsabilidade no processo de educação dos próprios filhos e discussões familiares, engajamento em movimentos e organizações populares, no incentivo e promoção de oportunidades profissionais aos negros, no respeito às manifestações culturais africanas e afro-brasileiras, no enfrentamento ao neoliberalismo etc. Antirracismo é a construção de meios que previna o racismo no âmbito individual e institucional. Portanto, os brancos devem conjugar discurso e prática concreta se é verdade que buscam construir uma sociedade inclusiva, e como disse a professora Lia Vainer Schucman “falar que o racismo é estrutural não retira a responsabilidade dos indivíduos. Ao contrário, é exatamente dizer que a responsabilidade é dos indivíduos, e as pessoas não têm entendido isso. Elas estão achando que se é estrutural, elas não têm nada a ver com isso”.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
PORTAL GELEDÉS: O racismo fica escancarado ao olhar mais superficial: entrevista Abdias do Nascimento. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/o-racismo-fica-escancarado-ao-olhar-mais-superficial-entrevista-abdias-nascimento/>. Acesso em: 28 mar. 2022
UOL. Lia Vainer Schucman: “Se tem um país que é supremacista branco é o Brasil. Disponível em: <https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/12/07/lia-vainer-schucman-se-tem-um-pais-que-e-supremacista-branco-e-o-brasil.htm>. Acesso em: 28 mar. 2022
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