“Sempre fui uma criança muito alta e ouvia das pessoas em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, onde nasci, que deveria ser modelo. Esse sonho foi crescendo, eu posava no espelho e me imaginava famosa. Mas a época da escola foi muito cruel, eu ganhava vários apelidos por causa da altura. Tenho 1,76m desde muito nova. No entanto, quando via nas revistas aquelas mulheres altas e magras, costumava dizer: ‘Deus não me deu altura à toa. Alguma coisa eu tenho que fazer com ela’.
Lembro de quando juntei meu dinheirinho para comprar a minha primeira revista de moda, a “Harpers Bazaar Brasil”, vi muitas fotos da modelo Mariane Calazan, que passou a ser minha referência. Antes, eu só conhecia Gisele Bündchen e Naomi Campbell. Olha como as coisas se ligam: anos depois, a primeira revista para qual trabalhei foi a Bazaar [em 2019]. Também fiz desfiles com a Mari Calazan e falei para ela: ‘Não vou fingir costume, sou sua fã’.
Mas, antes disso, passei por situações difíceis. Dez anos atrás, quando tinha uns 14 anos, minha mãe me levou em uma agência no Rio de Janeiro e fomos maltratadas.
O booker mostrou o ensaio de uma menina bem branquinha, de olhos claros e cabelos cacheados e falou: ‘Essa é a modelo mais negra que a gente tem. Ela só trabalha quando a outra modelo, que tem cabelo liso, quebra o pé’
Minha mãe saiu de lá me puxando e botei a culpa nela: ‘A senhora não está tentando’. Eu não tive noção da situação de racismo, eu achava que a culpa de não estar conseguindo as coisas naquela época era da minha mãe, e ela só estava me protegendo.
Aí deixei o sonho de lado e comecei a estudar, queria fazer vestibular para Medicina, mas acabei fazendo um ano de Direito com uma bolsa que consegui e, aos 19 anos, fui trabalhar com telemarketing em Copacabana, demorava três horas para chegar no emprego e ficava sempre pela praia. Um monte de gente me parava na orla, tirava foto, perguntava se eu era modelo, e aí fui revivendo esse sonho. Até que um olheiro me encontrou pela internet e perguntou se eu queria ser modelo. De imediato disse que não, que não queria pagar por book nenhum, não queria mais essa história. Ele me pediu uma chance, disse que me levaria para uma agência muito boa em São Paulo. Àquela altura, eu pesquisava bastante e sabia quais eram as agências boas.
Em 2019, vim para São Paulo, ele me apresentou à minha agência, a Way. Na mesma semana, abdiquei de tudo e mudei de cidade. Estava muito indecisa porque minha mãe sofre de depressão e crise de pânico desde que a minha irmã do meio morreu em um acidente de trânsito, aos 26 anos, em 2016. Eu e minha mãe já tomávamos conta do filho dela, que também perdeu o pai aos seis meses de idade. Sair de casa foi um sofrimento para mim e para ela. Eu não sabia se queria deixar tudo e seguir a carreira de modelo, que era uma coisa incerta. Mas foi a melhor decisão que tomei porque hoje posso cuidar da minha mãe e do meu sobrinho. É uma sensação impagável.
O primeiro trabalho de moda foi o desfile da Fabiana Milazzo na São Paulo Fashion Week e eu estava extremamente nervosa, lembro da sensação como se fosse hoje. Foi terrível, mas foi gostoso. Logo depois, recebi a proposta de passar três meses no Japão. Eu nunca tinha viajado de avião e aceitei ir para o outro lado do mundo sozinha, sem falar inglês.
Quando cheguei em Tóquio, fui confirmada em todos os desfiles da semana de moda para os quais eu havia sido reservada. Fiz 23 desfiles! E antes só tinha feito aquele único no Brasil. Lá vieram outros trabalhos e editoriais com marcas como Gucci, Louis Vuitton e Comme des Garçons. Eu estudava inglês em casa, tinha umas modelos russas boazinhas que me ajudavam. Eu só tinha noção do básico – ‘hi’, ‘hello’, ‘what time is it?’ – porque ganhei uma bolsa para estudar inglês quando tinha 17 anos, mas faltava muito porque não tinha dinheiro para pagar a passagem de ônibus.
Tive alguns perrengues no Japão. Eu sempre era clicada por uma fotógrafa famosa de lá e ela via que eu só comia sanduíche e falou que a partir daquele dia não comeria mais isso. No dia seguinte, quando eu ia fazer o trabalho com ela de novo, tinha uma mesa gigante de comida japonesa, com todos os tipos possíveis. Ela me fez experimentar ovas de peixe, eu nunca nem tinha ouvido falar em sushi. Foi muito importante ela ter me apresentado a isso tudo. Já nos desfiles, eu não entendia as orientações, então eu via a modelo da frente e fazia igual. Mas o maior problema era falar com a minha mãe só uma vez por semana, eu chorava todos os dias.
Naquela época, minha mãe não tinha telefone porque não tinha dinheiro para comprar, eu ligava quando algum amigo meu levava o celular na casa dela. Eu não queria abusar, fora que eram 12 horas de diferença. A maior felicidade foi o dia em que ela me ligou do próprio telefone e disse que tinha comprado porque não aguentava mais de saudade.
Depois do Japão, passei um mês de férias no Rio e vim para São Paulo, um pouco antes da pandemia. Então, as coisas começaram a acontecer no Brasil há pouco tempo. Fiz minha primeira capa de revista, em dezembro passado, para a L’Officiel. Olha aonde eu cheguei! Recebi muitas mensagens da galera da escola. Teve gente que me pediu desculpas por ter me zoado. Nunca fui vista como uma mulher bonita, sexy, nada disso, e estar numa capa significa muito.
Quero um dia ser reconhecida como a modelo do ano e ajudar outras pessoas a acreditarem em si. Eu tive um sonho, eu queria correr atrás, mas pelas circunstâncias não foi naquele momento, e também agradeço que tenha sido mais tarde. Comecei com 20 e hoje estou com 24. Tenho mais maturidade para enfrentar, para ouvir “não” porque a minha vida inteira eu ouvi ‘não’ na escola, no trabalho, de meninos que não queriam sair comigo. O ‘não’ já era muito comum, eu estava em busca do ‘sim’. Então, quando comecei a receber o ‘sim’, as coisas foram mudando, hoje eu sei que posso. E quero inspirar as meninas que me mandam mensagens todos os dias, sei que sou uma referência para elas.”