“Acho que fez bem em ir à televisão, embora devesse ter raspado a cabeça. Aquele cabelo bombril parecendo tingido me fez entender o que ele disse uma vez causando polêmica – que tinha ‘cabelo ruim’.”
O segundo parágrafo do artigo publicado em O Globo de ontem (quarta-feira 07/05/2008) sob o título “A falha de Ronaldo” mostra bem o que o jornalista pensa a respeito dos cabelos dos negros. Incomodou o fato de Ronaldo estar com seu blackpower à mostra. Imagine: o ídolo que é pego em um deslize, aparece na televisão para dar entrevista pedindo desculpas. Mas mesmo assim não se humilha por completo, não raspa a cabeça, se livrando daquilo que, ao inverso de Sansão no embate contra os filisteus, só lhe trouxe fraqueza, feiúra, o tal “cabelo ruim”. Para Zuenir, faltou a contrição absoluta: Ronaldo coberto de cinzas, tal e qual os hebreus antes de Cristo.
Mas afinal, quem tem cabelo ruim? O jogador de futebol ou o jornalista? “Cabelo ruim” é aquele que cai da cabeça! O mais estranho é que um sujeito como Zuenir, que viveu os anos 60 tão intensamente, ainda faça a “patrulha capilar”. Só os brancos podem ter o cabelo que quiserem, do jeito que quiserem, os negros tem que usar o cabelo bem curtinho, rente ao couro cabeludo ou então raspado, para mostrarem que são limpos, asseados, que não possuem aquele “negócio na cabeça que parece sujo”, enfim, que estão arrependidos de seus atos.
Então, o negro, o neguinho, o negão, o pardo, o mulato, o moreninho, o jambo, o café-com-leite, o sarará, o nego-aço, o saroba, o baio, o buiú, o pelezinho, o obina, o crioulo, o preto, o “ah, mas você não é negro, é moreninho…”, esses se não tiverem o famoso cabelo liso, ou devem fazer alisamento japonês, a escova progressiva, a chapinha, o relaxante ou então devem passar a “maquina zero”, pra não incomodar a visão da “classe-média-branco-intelectualizada-que-lutou-contra-a-ditadura”?
Depois da Cidade Partida vem aí o “cabelo repartido”. Do mesmo autor…
E aqui a bela chance perdida de Zuenir de ficar calado:
O Globo
A falha de Ronaldo- Zuenir Ventura
(OGlobo – 07/05/2008 05:00:04)
Que escândalo do BNDES que nada. Nem a incontinência verbal de Lula ou a ausência crônica de Cesar Maia. Nem mesmo as marchas em torno da maconha, uma iiiiiiiiiiiiiiiia favor (proibida) e outra contra (permitida). Muito menos as próximas eleições municipais. Nada disso. A discussão que mais se ouviu neste fim/começo da semana foi sobre a confusão em que o jogador Ronaldo se envolveu com três travestis. Até a história do assassinato da menina Isabella saiu um pouco de cena para dar lugar à polêmica sobre o mau passo dado pelo Fenômeno. O Brasil ganhou o grau de investimento, mas baixou o nível de preocupação. A grande dúvida, a pergunta que mais se fez foi: “Sabia ou não sabia que eram travestis?” Ou então: “Transou ou não transou?”, “Consumiu ou não drogas?”.
Como todo mundo, vi a entrevista dele à Patrícia Poeta no “Fantástico”. Também como todo mundo, sempre tive a maior simpatia pelos seus feitos dentro de campo e em geral por seu comportamento fora, com aquele jeitão e aquele sorriso de menino. Acho que fez bem em ir à televisão, embora devesse ter raspado a cabeça. Aquele cabelo bombril parecendo tingido me fez entender o que ele disse uma vez, causando polêmica – que tinha “cabelo ruim”. Mas o que me incomodou mesmo foi a sua, digamos, excessiva robustez. Acho que vai ser mais fácil ele recuperar a boa imagem do que o bom físico. Simpático como sempre, contrito quando necessário, sem arrogância, admitindo a “grande besteira” que fez, considerando-se vítima de extorsão, ele se saiu bem, até quando pareceu estar guardando para si a parte obscura, mal explicada da história. O Brasil gosta de arrependimento e mea-culpa.
Quanto ao episódio, ouvi muitas críticas ao que foi considerado como um ataque de “burrice” do jogador, que, no entanto, como se sabe, é inteligente. Por que foi se arriscar sozinho numa aventura em campo minado? Por que não encomendou o programa a um assessor? Por que, depois, não chamou um advogado antes de ir parar na delegacia? Não tenho a pretensão de decifrar as fantasias sexuais dos outros. Mas sabe-se que elas carregam os mais insensatos desejos, muitas vezes acompanhados do gosto pelo risco e da atração pela sordidez. Não é uma zona onde predominam a inteligência e a lógica, mas o inconsciente e a compulsão.
Num país de tantas transgressões morais e em que o roubo do dinheiro público é um pecado venial, que raramente leva alguém à condenação, Ronaldo não deve ser crucificado aos 31 anos pelo seu pecadilho ou, como ele disse, pela “grande besteira”. Só não pode é repeti-la, essa ou outras. Acostumado a dar a volta por cima, vai ter que daqui para a frente jogar muito futebol. E provar que essa má fase é passageira, não um começo de declínio ou decadência.