Desde 2016, que abril passou a ser um mês maldito para nós. Um mês triste que a gente se esforça para comemorar um aniversário de alguns sobrinhos, mas que infelizmente o que prevalece mesmo é a imensa dor da lembrança que foi dia 13 de abril, há quatro anos, que minha querida irmã caçula Luana, faleceu após ter sido covardemente espancada por policiais militares. A Luana não é só minha irmã, ela também é filha, é mãe, é tia, é madrinha… e eu digo é (com o verbo no presente) porque ainda que ela não esteja mais aqui, os laços continuam, ela ainda ocupa o mesmo lugar em nossos corações. E é por isso que dói tanto a falta dela.
Eu sempre me lembro do sorriso lindo que ela tinha e do jeito manso como ela costumava falar e até caminhar. Às vezes eu ficava brava porque ela sempre andava devagar e eu ao contrário sempre ocorrendo. Não tem nenhuma lembrança da minha/nossa infância sem que estejamos juntas. Em casa sempre se dizia “Roseli e Luana” para falar com a gente. Depois de termos seguido caminhos que nos distanciaram por muito tempo, felizmente a vida acabou nos unindo de novo. Até pouco tempo antes de seu assassinato eu tive o imenso
prazer de viajar com a Luana para Brasília e isso eu vou levar comigo para sempre. Tivemos que caminhar sozinhas durante um tempo à noite, numa área deserta, e não esqueço do seu jeito protetor e cuidadoso em relação a mim. Sempre foi assim, eu sou mais velha dois anos, mas foi sempre ela quem me protegeu dos perigos de ser meninas/mulheres na periferia. Sempre choro quando penso nisso porque lembro que não
consegui protegê-la da barbárie que a matou.
Quem a conheceu de perto sabe que a Luana podia ser muito generosa e companheira. Gosto de lembrar com carinho e gratidão por todas as vezes em que a Luana sempre se dispôs a me levar de moto para vários lugares, às vezes até de madrugada, sem nunca reclamar. Levo no fundo da alma as lembranças desses passeios de moto como símbolo de liberdade. Muitas vezes isso me serve de consolo e conforto na hora que a imensa saudade e dor apertam.
Na nossa família cada uma/um tenta fazer como pode para seguir vivendo. De qualquer forma, a Luana permanece presente e ela sempre aparece em nossos sonhos e isso nos conforta um pouco. Até meu irmão Natan (que é especial) sempre conta que sonha com ela.
O meu sobrinho Luan, filho da Luana, que presenciou toda aquela cena de horror, sofre muito a falta da mãe. Às vezes ele tem crises de choro, não quer comer e ainda pergunta para a avó se realmente nunca mais verá sua mãe. Ele sempre lembra das coisas que os dois faziam juntos, e a medida que o tempo passa a ausência de sua mãe se torna ainda mais difícil. Foi a Luana quem batalhou uma vaga de natação, numa piscina pública, para ele ainda criança. O mesmo ocorreu com o estágio de jovem aprendiz que ele fez, já depois de sua morte. A Luana não queria que seu filho cometesse os mesmos erros que ela no passado, e por isso ela se preocupava muito com a sua educação, e tentava sempre encaminhá-lo para coisas boas. No dia em que ela foi parada de moto e espancada por esses PMs assassinos, ela estava justamente indo levar o meu sobrinho para um curso de informática em uma escola muito conhecida na cidade.
se não fosse pelos seus assassinos, ela teria uma vida inteira pela frente para viver e realizar quem sabe alguns dos tantos sonhos que ela tinha
Pensar que foi apenas pela minha irmã ser negra, ser lésbica e ser pobre que eles julgaram que poderiam bater nela até matar, praticamente na porta da nossa casa, isso dói, dói, dói muito. Mas também nos revolta e nos dá forças para seguir lutando por justiça, pois essa é a única forma que a gente tem de honrar a memória da minha irmã.
A Luana tinha 34 anos, e se não fosse pelos seus assassinos, ela teria uma vida inteira pela frente para viver e realizar quem sabe alguns dos tantos sonhos que ela tinha. Nossa velha e sábia mãe, dona Eurípedes, que hoje tem 72 anos, costuma dizer isso com os olhos cheios de lágrimas: minha filha tinha tantos
planos para a sua vida. Minha mãezinha (que há quatro anos toma antidepressivos como eu) teve a Luana prematura de oito meses. Ela veio ao mundo em novembro de 1981, antes da data prevista para o seu nascimento. E assim também foi em relação a sua partida. No entanto, se a sua chegada antecipada trouxe
muita alegria para as nossas vidas, a sua partida tão prematura devido um assassinato extremamente violento e covarde, só nos deixa dor, tristeza e uma imensa saudade.
Te amamos Lu, e seguiremos te amando. Quatro anos já se passaram desde que você se foi. É muito tempo esperando para que a justiça seja feita! Mas mesmo cansadas, tristes, deprimidas e muitas vezes desencorajadas continuamos e continuaremos sempre lutando por justiça para Luana. Para que seus assassinos paguem pelo crime que cometeram e para que isso não ocorra com mais ninguém.
INFORMAÇÕES PELO DR. RODNEI JERICÓ DO GELEDÉS – INSTITUTO DA MULHER NEGRA
Enquanto advogado do programa de DH do Geledés – Instituto da Mulher Negra, estamos participando do caso por solicitação das irmãs de Luana, Lolita e Roseli Barbosa, juntamente com o Dr. Daniel Rondi, de Ribeirão Preto, advogado constituído nos autos pela família de Luana e que vem, ao longo de todo o processo, exercendo de forma exemplar toda a instrução penal.
É importante que destaquemos, no caso Luana Barbosa, a força das mulheres negras, do movimento LGBTTI, dos familiares e do corpo de advogados e advogadas envolvidos no caso, que exigiram que fossem levados a JÚRI POPULAR os acusados, que são policiais militares. A reunião de todos estes fatores contribuiu para o resultado da sentença de PRONÚNCIA, que é uma decisão que não põe fim ao processo: ela apenas decide que existem indícios de um crime doloso contra a vida e que o acusado pode ser o culpado e que, por se tratar de um crime
doloso contra a vida, o processo será julgado por um tribunal do júri e não por um juiz sozinho. A Pronúncia foi efetivada em março de 2020, prolatado pelo Juízo da 1ª Vara do Júri de Ribeirão Preto.
É importante destacar que o clima de intimidação sempre esteve presente em todas as audiências, em torno de 10 ou 11, e sempre permeou o ambiente, seja pela repercussão do caso, pelas manifestações de ativistas que estiveram reunidas na frente do Fórum, seja pela absoluta e evidente violação aos direitos humanos.
Houve momentos, inclusive, em que se tentou intimidar testemunhas e as manifestações em frente do Fórum, a exemplo da determinação de que não poderiam ser usadas, dentro do Fórum, camisetas pró Luana porque, na visão do juiz corregedor do Fórum colocaria em risco a lisura do processo. Mas a troca de camisetas e mesmo o clima hostil não intimidou as irmãs Lolita e Roseli que foram firmes e determinadas em seus depoimentos, trazendo subsídios importantes para o livre convencimento do juízo.
Fica evidente ainda de que o Ministério Público exerceu papel subliminar na condução dos trabalhos (muito condescendente, o que favorece os acusados). Em que pese a titularidade da ação (a obrigação de buscar justiça para a vítima) ser dele, o que poderia fragilizar toda a acusação.
Aguardemos os próximos passos processuais, após a sentença de PRONÚNCIA, e fazer com que o judiciário entenda que Luana não será, nunca, apenas mais um número.
Seguiremos acompanhando o caso e informaremos a todas quando for marcado o júri.
Luana Barbosa, presente