Não se pode negar que há um desafio na educação brasileira. Contudo, não é com polícia que se resolve
Por Max Maciel, do Brasil de Fato
O novo governo do Distrito Federal (DF) inicia seu mandato sob várias polêmicas, vide as propostas que se apresenta o governador Ibaneis Rocha (MDB). Em paralelo ao corte do passe livre aos estudantes, ele emenda uma portaria para uma intervenção militar em quatro escolas da rede pública.
Esse fenômeno vem ganhando espaço no país, e Goiás é a unidade de federação que possui o maior número: são 46 escolas em cuja gestão atuam policiais militares. A militarização das escolas não é nova, e seu argumento parte de uma lógica de incidir em territórios vulneráveis. O objetivo é a resolução da violência, e para isso é preciso inserir a comunidade no medo. Ainda mais em um momento em que uma onda conservadora de moral barata ganha a narrativa.
Para os pais, esta parece ser a saída para uma boa educação – e é aí que mora o problema. Há uma clara diferença entre colégio militar e uma intervenção militar, que é o caso no DF. A portaria foi a toque de caixa, fere a Lei de Diretrizes e Bases da educação, a Lei Orgânica do DF e a própria lei de gestão democrática.
Colégio militar é uma estrutura em que quem adentra sabe o que vai encontrar. Ela é destinada aos filhos de oficiais e tem como critério uma prova de seleção que reproduz privilégios. É como um funil, onde só passam aqueles que já dominam os principais conteúdos. Além disso, os colégios militares têm quase três vezes mais recurso que os do ensino regular. Tudo isso dificulta a comparação e põe em dúvida sua efetividade, uma vez que dispõem de uma estrutura que não é a realidade da educação pública brasileira.
O que se apresenta no DF não é isso. Trata-se de uma intervenção autoritária e anti-democrática, ferindo leis já existentes sem diálogo amplo com a comunidade. Esta apoia porque está tomada pelo medo.
A educação pública é de responsabilidade das secretarias de educação, e não da PM. Ter policiais na gestão é sim um desvio de função, uma vez que muitos sequer têm formação pedagógica para lidar com a diversidade dos territórios. Apresentam-se como gestão compartilhada e jogam no lixo a gestão democrática, os conselhos escolares e os grêmios estudantis. Ferem, por que impõem um único estilo de comportamento, com corte de cabelos e vestimentas que inibem a individualidade de cada um, a pluralidade dos indivíduos.
Imagina, todo um trabalho para empoderar a população negra a aceitar seu “black”, e agora estão em vistas de raspá-lo. O que isso de fato interfere na educação e na disciplina?
A violência não parte das escolas. Ela se dá em um contexto externo, com uma complexidade maior do que se imagina. E, sim, muitas vezes isso é consequência de anos sem políticas públicas e garantia de direitos a estes territórios. Para colaborar, em todas as cidades onde implementam esse modelo, há ausência de vagas para creches. A maioria das escolas não possuem bibliotecas, salas de informática, laboratórios. Não possuem projetos para os jovens no contraturno e são cidades dormitórios.
O argumento das avaliações positivas dos colégios militares não pode ser supervalorizado, porque as escolas não estão em pé de igualdade na sua configuração econômica e estrutural. Mas, para se contrapor a isso, é importante dizer que a maioria das escolas com melhores notas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que avalia o desenvolvimento da educação, não são militares. Vide as do Ceara. As referências mundiais também não são militares – Colômbia, Portugal e Finlândia. São escolas com estrutura, com valorização dos profissionais e participação social. Têm em sua pedagogia uma educação aberta, sem grade e que estimula a criatividade, a superação de desafios e a resolução de problemas.
No DF, destinaram de 20 a 25 policiais que estavam fora das ruas ou na reserva. Sem contar que não há nada, em lugar nenhum, sobre os dados esperados, as condições de monitoramento e os recursos necessários para transformar a escola. O recurso que se tem é R$ 200 mil ano para cada escola – não para a sua estrutura, mas para bonificação dos policiais destacados.
Não se pode negar que há um desafio na educação brasileira. Contudo, não é com polícia que se resolve. Polícia tem de ser parte, de forma comunitária, com ronda e presença no território. Educação se resolve com muito investimento, sem muros, com um plano que desenvolva em cada estudante os seus sonhos e os prepare para a vida e não apenas para uma prova.
Esse tipo de política, autoritária, é uma inversão total. Ela coloca o Estado Penal em detrimento do Estado democrático de direito. Uma escola que pune o pensamento crítico, em que não pode se expressar o que é e como é, é um espaço repressor – visto talvez, só em espaços prisionais.
Outra educação é possível.
Max Maciel é pedagogo, especialista em Gestão de Políticas Públicas e consultor da Rede Urbana de Ações Sócioculturais (RUAS).