A medida de criar um vagão exclusivo às mulheres não resolve nada e ainda mostra que a política de segregação social reside entre nós
Por Marcelo Hailer
Na última quarta-feira (4) foi aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) o Projeto de Lei 175/2013, de autoria do deputado Jorge Caruso (PMDB), que cria o “vagão rosa” enquanto medida para combater o assédio sexual que mulheres sofrem no Metrô.
Em seu livro “Homo Sacer”, o filósofo italiano Giorgi Agamben, afirmou que o “campo de concentração é o paradigma da modernidade” e ele tem toda razão. Assim como na primeira metade do século XX existiram políticas segregacionistas entre brancos e negros, este tipo de política retorna agora como medida para solucionar problemas como assédio sexual contra as mulheres e discriminação por orientação sexual.
A medida em questão já começa problemática pelo nome: “vagão rosa”, o que remete ao equivocado conceito de “sexo frágil” e a questão da cor rosa como algo feminino, logo machista e sexista. Outra pergunta que surge é: como encaixotar 55% dos usuários do metrô, que são mulheres, em alguns poucos vagões? E aí caímos em outra questão: a precariedade do transporte público no estado de São Paulo e também em outras capitais do Brasil, onde “encoxadores” se aproveitam da situação de um transporte coletivo superlotado para assediar mulheres.
O “vagão rosa” também nos remete à criação de espaço específico às LGBT. Ao invés de trabalharmos para transformar a estrutura da sociedade que é masculina sexista, sectarizamos os corpos estranhos, pois, não devemos esquecer do drama que mulheres e homens transexuais vivem para utilizar o banheiro público e aí alguns grupos sociais defendem a criação de banheiro às pessoas transexuais. Ou seja, ao invés de se buscar a coexistência, opta-se pela política do campo de concentração e de gueto.
Assim como o banheiro às pessoas transexuais e o “vagão rosa” não resolvem nada e só pioram o estado das coisas, outro tipo de política que já existe em alguns países é a criação dos “bairros gays”, com viés mercadológico objetiva-se alojar homens e mulheres homossexuais em algumas ruas demarcadas, como num zoológico de espécie raras humanas… Mas, com este espaço urbano demarcado e nomeado cria-se a legitimação da expulsão destes corpos dissidentes quando ousarem perambular pelas “ruas heterossexuais” ou “dos corpos normais”. Isso mesmo vai acontecer quando uma mulher resolver entrar num vagão misto, certamente vão dizer: “olha lá, está querendo ser encoxada… Vai pro seu vagão!”.
Aceitar a criação do “vagão rosa” é aceitar o fim das políticas de transformação social. Ninguém nega o grave problema social que as mulheres enfrentam no transporte público, mas não será segregando-as que o problema será resolvido. O que necessita ser feito é uma ampla gama de políticas de combate ao assédio sexual em nível nacional. Aceitar o “vagão rosa” é também aceitar que homens e mulheres transexuais devem usar banheiros específicos.
Por fim, e se a moda da política do “vagão rosa” pega, não se iludam, ela vai se espalhar para todas as outras identidades. E aí, podemos ver, ardilosamente, ressurgir as políticas do campo de concentração e de gueto. É a falência social. Já que não conseguimos construir uma sociedade baseada na coexistência, vamos sectarizar os diferentes tipos em determinados espaços e oficializar a política do gueto restringindo o ir e vir. Isso, além de caracterizar a derrota da política, é o fim do espaço público enquanto conhecemos.