Sororidade quase na madrugada

Escreva Lola Escreva

A Lis me enviou este email:

Sou muito fã do seu blog! (você não sabe o quanto ele tem me ajudado).
Dentre os vários assuntos que você já abordou, nunca vi nada sobre o que eu pretendo te perguntar agora, mas é algo recorrente na minha vida agora.

Deixa eu explicar: nunca fui muito crente no conceito de sororidade. Sempre tive a impressão que as diferenças separavam mais que as semelhanças uniam, até que, há poucos meses, passei no vestibular pro curso de História, que é ministrado durante a noite, numa universidade pública na minha cidade. Eu (que estou apaixonada pelo curso) sempre acabo saindo mais tarde da aula, seja para tirar dúvidas com os professores, seja por festas no campus.

Acontece que minha aula termina às dez da noite e eu nunca saio de lá antes das onze, o que já é um horário extremamente deserto durante a semana.

Durante meus primeiros dias de aula, passei por experiências.. complicadas, de ser seguida até o ponto de ônibus, quase ser assaltada no ponto, coisas do tipo.

Até que mais recentemente, as coisas mudaram. Eram onze e meia e estava parada no ponto, até que chegam mais duas meninas, que aparentemente não se conheciam. Nós tivemos o seguinte diálogo:

– Oi, você tá esperando o ônibus?
– Sim.
– Você se importa da gente esperar com você? É que esse horário tem sido muito perigoso aqui.

E eu respondi aliviada que era ótimo ter companhia naquele horário.
E durante algum tempo, eu e as meninas do ponto combinamos de nos encontrarmos antes de ir embora, pra não corrermos o risco de esperar o ônibus sozinhas na rua deserta. Acontece que o que começou com três garotas, agora já são oito! A gente deixou combinado de se encontrar sempre às onze e meia, assim nenhuma de nós ficava sozinha.

Eu ainda acho meio triste uma mulher não poder ficar sozinha de noite sem ter que temer algo muito pior que um assalto (já ouvi essas histórias na universidade, o suficiente pra ficar com medo). É triste que nenhuma reclamação com autoridades tenha resolvido.
Mas por outro lado, eu estou feliz: “proteja suas irmãs”, era isso o que vocês (nós, estou pensando em entrar para o coletivo da universidade!) feministas queriam dizer com sororidade?

Meu comentário: Claro, Lis, isso é sororidade, que é o mesmo que fraternidade, só que numa versão feminina. E, na cultura em que vivemos, algo muito mais difícil de se conseguir.

Mas é o que eu sempre me pergunto: por que mais mulheres não fazem isso que vocês fizeram? Não sei se é porque muitas de nós ainda somos educadas para sermos dependentes dos homens (só um homem pode nos proteger… de outro homem!), ou se é porque uma sociedade misógina repete sempre que mulher não é de confiança, que mulheres não podem ser amigas. Deve ser uma combinação das duas coisas. Isso e mais o fato de vivermos numa sociedade capitalista e individualista, que prega que é cada uma por si, vire-se como puder.

E você viu como uma conversinha simples pode ajudar. Isso não deveria acontecer só num ponto de ônibus de faculdade, mas em qualquer lugar. Ao descer do ônibus junto com outra mulher, ou ao ver outra mulher andando na rua, à noite, não custa nada perguntar pra ela se vocês podem andar juntas.

Obviamente que esses simples atos não devem parar nossa luta pelo direito de andar num espaço público (e também no privado, que é muito mais perigoso do que se diz — 28% das mulheres assassinadas são mortas dentro da casa onde vivem) sem sermos atacadas, e as exigências para que a universidade garanta um campus seguro e iluminado, e o clamor para que toda a cidade seja para todos. Mas são pequenos gestos, que podem impedir maiores abusos.

E entre sim no coletivo feminista da sua universidade! Tenho certeza que você vai gostar. Juntas somos mais fortes!

 

 

Escreva Lola Escreva

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