Oficinas de Literatura na Universidade de Brasília (UnB)- “Escrevivências, da inspiração à produção na perspectiva de Conceição Evaristo”

Ao idealizar a Oficina de Literatura- “Escrevivências, da inspiração à produção na perspectiva de Conceição Evaristo”- pretendemos, de fato, tornar a escritora Conceição Evaristo nossa interlocutora na comunidade acadêmica, especialmente, entre as/os estudantes negras/os do campus Planaltina (UnB-FUP) e movimentos sociais. O projeto será desenvolvido pelas oficineiras Zane do Nascimento (Ciências Sociais-UnB) e Renata Canto (Arquitetura e Urbanismo-UnB), ambas baianas e negras, que se somam a um movimento de pessoas negras que ressignificam seus olhares a partir da realidade do DF e Entorno.

Por  Zane do Nascimento para o Portal Geledés 

Ilustração: Michael Morgenstern /The Chronicle

Além disso, o projeto foi pleiteado pelo Edital 03/2017 pela DOCCA/DAC (Diretoria de Organizações Comunitárias, Cultura e Arte). Conforme previsto pelas proponentes, os livros adquiridos serão doados para a biblioteca do campus da universidade de Brasília (UnB-FUP) que, até o momento, não conta com nenhum título da escritora Conceição Evaristo, e os demais serão sorteados entre as/os participantes do projeto. Os encontros acontecerão sempre às sextas-feiras, a partir das 9h da manhã. As inscrições são gratuitas e, não se restringem ao público acadêmico. Além disso, tem garantia de certificados para todas/os e duração de três meses (setembro, outubro e novembro).

A apreciação dos textos literários será acompanhada pelo debate de textos acadêmicos da própria Conceição Evaristo, pois além de escritora, ensaísta e poeta, ela tem se dedicado desde o final dos anos 1990 (vide sua dissertação de mestrado e tese de doutoramento, respectivamente, pela PUC-RJ e UFF) a desvelar os estereótipos reforçados na representação das personagens negras no cânone da literatura nacional. A escritora mineira também reivindica o conceito de literatura negra para repensar a escrita de si pelas/os escritoras/es negras/os.

Esse corpus se constituiria como uma produção escrita marcada por uma subjetividade construída, experimentada, vivenciada a partir da condição de homens negros e de mulheres negras na sociedade brasileira. Contudo, há estudiosos, leitores e mesmo escritores afrodescendentes que negam a existência de uma literatura afro-brasileira. Apegam-se à defesa de que a arte é universal, e mais do que isso, não consideram que a experiência das pessoas negras ou afrodescendentes possa instituir um modo próprio de produzir e de conceber um texto literário, com todas as suas implicações estéticas e ideológicas (Evaristo, Conceição, 2009, p. 17).

Nosso desafio será pensar a apresentação da escritora Conceição Evaristo com o processo criativo dos nossos convidadas/os, em suma, escritores, artistas, poetas, performers, acadêmicas/os negras/os da Universidade de Brasília (UnB), todos intelectuais negros, e de uma maneira ou outra, influenciadas/os pela potência da escrevivência de Conceição Evaristo, que tem nos brindado com sua voz altiva em circuitos hegemônicos (como sua inscrição para concorrer a cadeira 7 na Associação Brasileira de Letras) e, também enfrentado os impasses racistas do ramo editorial.
No segundo momento da oficina, pretendemos desenvolver, conjuntamente com nossas/os participantes, a confecção de cadernos literários, pois nosso objetivo é pensar uma construção coletiva, na qual potencialize a poética das escrevivências das/os participantes. Essas etapas foram assim pensadas, pois a escritora Conceição Evaristo sempre redimensiona seu processo criativo a partir da sua infância em Belo Horizonte, Minas Gerais. Conceição Evaristo sempre reafirma em entrevistas que, “eu não nasci rodeada de livros, nasci rodeada de palavras e também no sentido de ensaio que é uma cultura da oralidade e parte do nosso patrimônio”. Ou seja, a escritora não adota a hierarquia lograda pelos críticos literários e pela academia, de que as camadas populares e negras são destituídas de potência literária, pelo contrário, ela as ficcionaliza nas suas poesias, romances e contos recuperando o projeto da afro-brasilidade.

Entretanto, talvez, o modo como a ficção revele, com mais intensidade, o desejo da sociedade brasileira de apagar ou ignorar a forte presença dos povos africanos e seus descendentes na formação nacional, se dê nas formas de representação da mulher negra no interior do discurso literário. A ficção ainda se ancora nas imagens de um passado escravo, em que a mulher negra era considerada só como um corpo que cumpria as funções de força de trabalho, de um corpo-procriação de novos corpos para serem escravizados e/ou de um corpo-objeto de prazer do macho senhor (Evaristo, Conceição, 2009, p. 23.

A escritora inaugura um constructo discursivo poderoso- escrevivências-, que não é simplesmente uma figura de linguagem. Trata-se isto sim, de um termo que soma-se ao pensamento negro feminino brasileiro, como a “amefricanidade” e “pretuguês” da intelectual negra Lélia González. A atualidade da sua obra tem se dado a partir das mídias sociais, feiras pretas, feiras literárias, sobremaneira, a partir das edições dos seus livros: “Ponciá Vicêncio”, “Olhos D´Água”, “Becos da Memória”, ambos pela Pallas Editora, e “Insubmissas Lágrimas de Mulheres”, “Histórias de Leves Enganos e Parecenças” e “Poemas da Recordação e Outros Movimentos”, pela Editora Malê.
Conceição Evaristo sempre menciona uma constelação de escritores e editores negros, sobremaneira, do grupo Quilombhoje/Cadernos Negros que a antecederam, no lançamento de livros e, nem sempre referentes à cronologia natural, pois muitos autores são, inclusive, mais novos. A escritora tem a generosidade de conclamar os seus, sejam aqueles que se somam à sua contemporaneidade, como Meimei Bastos, Esmeralda Ribeiro, Míriam Alves, Cristiane Sobral, Lívia Natália e Geni Guimarães, e as/os primeiras/os escritoras negras/os brasileiras, como, por exemplo, Maria Firmina dos Reis, Carolina Maria de Jesus, Cruz e Souza e Lima Barreto.
Novamente, é importante reiterar que a iniciativa se deu no sentido de concatenar nossas existências enquantos mulheres negras que experienciaram a migração para Brasília, em virtude dos estudos na Universidade de Brasília (UnB), mas que encontrou resistência no espaço universitário e noutros espaços negros (festivais, eventos institucionais, feiras pretas), a oportunidade de dialogar com seus pares. Costumamos dizer que a partir de 2015, ano da nossa entrada na instituição, várias iniciativas como a ocupação do Centro de Convivência Negra (CCN), do Diretório Geral Negro-Quilombo, estudiosos sobre a literatura negra, como Tatiana Nascimento, Adélia Mathias, Calila das Mercês, Omar da Silva Lima, Meimei Bastos, Kika Sena, Victor Hugo Leite, Mário Augusto Medeiros da Silva e Bárbara Araújo Machado, sejam em leituras, sejam em iniciativas poéticas e artísticas, tem nos influenciado bastante, e é por isso que nos lançamos nesse desafio.

As inscrições podem ser realizadas pelo formulário: https://docs.google.com/forms/d/1A1g4BWOaDiqBlEKaQSpLBwAWken8n4WWoXdtAzsvFNQ/edit

E-mail para contato: [email protected]

Referências deste texto:
Evaristo, Conceição. Literatura Negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. In: SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 13, n. 25, p. 17-31, 2º sem. 2009.


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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