Operação policial na cracolândia termina com “fuga” em massa dos detidos

Por: Arthur Guimarães

 

De mãos dadas, sob escolta armada, mas nem por isso em silêncio, os “nóias” (como são conhecidos, por sua postura paranóica) foram enfileirados na região da Luz na tarde desta quinta-feira (25). Detidos por uma operação policial desencadeada pela Polícia Civil de São Paulo contra o tráfico de crack na região conhecida como Cracolândia, os usuários de drogas foram recolhidos pelas autoridades em vários pontos do centro da cidade.

 

Em grupos vindos de cada local de abordagem, todos eram reunidos perto da estação Júlio Prestes e formavam um séquito de maltrapilhos. Crianças, idosos, rapazes e moças, muitos ainda alucinados pelo narcótico, se juntavam e seguiam as ordens passadas pelos homens do Grupo de Operações Especiais (GOE), que ostentavam armas pesadas e vestimentas dignas de guerra.

 

Mesmo com a repressão e os comandos dados por gritos, os viciados não davam sossego. Uns brigavam. Outros não param de revirar seus pertences. Alguns mais exaltados não conseguiam parar no lugar. Se coçavam, passavam a mão no cabelo seguidamente, freneticamente, em uma espécie de compulsão que só fazia os homens do GOE ficarem mais irritados.

 

Após a prisão de alguns traficantes e da apreensão de boa quantidade de entorpecente, em uma marcha lenta de mais de 50 pessoas, todos foram levados para a praça Coração de Jesus, tradicional ponto de encontro dos agentes da secretaria de saúde que atendem os drogados – e os encaminham para os serviços especializados em desintoxicação.

 

Ao chegar lá, no entanto, o que se observou foi uma desordem de dar inveja aos crackeiros. Como relataram os próprios policiais, os agentes de saúde que estavam nas redondezas “foram embora”. Nenhum policial oficialmente, em entrevista, declarou abertamente esse descontentamento. Mas pelo menos cinco policiais confirmaram ao UOL Notícias, pedindo para não serem identificados, que realmente houve uma evasão pouco antes da chegada do contingente de “pacientes”.

 

Quando perceberam que não haveria atendimento aos detidos, os homens do GOE tentaram contornar a situação. Mandaram todos sentar na base da Guarda Civil Metropolitana (GCM), davam broncas, organizavam a bagunça criada por 50 detidos – a maioria sob efeito de drogas – que não via a hora de voltar para o consumo da substância ilícita.

 

Em menos de 20 minutos, sem que a imprensa percebesse a movimentação, os policiais deixaram o local. Largaram a “bronca” para os guardas metropolitanos, que não escondiam o espanto com o “presente” que receberam. Vendo que o controle pesado havia ido embora, os “nóias” começaram a se movimentar. Desacostumados a lidar com um grupo tão grande de viciados, os GCMs ficaram nitidamente horrorizados.

 

Alguns crackeiros começaram a, sorrateiramente, sair do local. Iam andando pelos cantos e saiam pelo portão. Aos poucos, essa fuga ganhou corpo. Em instantes, uma verdadeira passeata superou a frágil barreira e tomou as ruas novamente.

 

Apesar da alegação de que traficantes foram presos, a reportagem presenciou minutos depois o movimento na Cracolândia ressurgir. Os mesmos homens que estavam detidos e escoltados, em minutos, estavam livremente vendendo e usando a droga. Voltaram para os mesmos lugares, para o mesmo vício, para a mesma vida, na mesma calçada que os policiais “varreram” horas antes.

 

Outro lado
O delegado titular da 1ª Delegacia Seccional de São Paulo, Aldo Galeano, que comandou a operação, afirmou à reportagem que a operação foi “coroada de êxito”. “Fizemos uma operação para prender traficantes, não era voltada para usuários e pessoas de rua”, disse Galeano, por telefone. Segundo o delegado, 76 traficantes foram detidos e levados à delegacia; 33 foram autuados em flagrante. Além disso foram apreendidas 500 pedras de crack, uma arma e vários cachimbos.

Galeano afirma que os viciados, a partir do momento que não são encontrados com drogas, não são de interesse da polícia e que por isso foram levados até o serviço de saúde municipal. Segundo o delegado, foram encaminhados para a secretaria de saúde cerca de 200 viciados, de forma pausada, para facilitar a triagem. “A partir desse momento não é responsabilidade nossa. Não temos conhecimento ou preparo técnico para fazer esse atendimento.

Cumprimos a obrigação de apresentar à prefeitura”, afirma o delegado, ressaltando que a fuga aconteceu em um lugar sob responsabilidade da Prefeitura de São Paulo.

Sobre o retorno dos viciados à região e o consequente consumo e venda da droga, Galeano afirma que “em uma única operação você não vai conseguir erradicar os envolvidos de uma vez só”. “Nós filmamos 15 dias, infiltramos agentes lá. Os ‘cabeças’ foram presos”, afirma.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública, a operação “Cidade Luz” teve início há um mês, com o uso de filmagens, fotos e investigações dos policiais da 1ª Seccional, em especial de policiais do Setor Operacional da Seccional. A ação, segundo o órgão, buscava efetuar a prisão dos indivíduos que exercem o tráfico no local, com base nos dados já levantados.

Secretário critica ação
O secretário municipal de Saúde de São Paulo, Januario Montone, classificou a ação policial desta quinta-feira (25) na Cracolândia como “pirotécnica”.

Tido como homem de confiança do governador José Serra (PSDB), a quem a Polícia Civil está subordinada, o secretário emitiu uma nota em que diz que a ação foi “de total e inteira responsabilidade das autoridades policiais, sem qualquer planejamento conjunto ou conhecimento e preparação da área de saúde”.

Montone repudiou “o espetáculo pirotécnico de confinamento e posterior ‘libertação’ dos usuários detidos”, o que, segundo ele, “só aumenta a discriminação contra a população mais vulnerável e dependente, de moradores em condição de rua, usuários e dependentes de álcool e drogas”.

Como ele argumenta, “ações como essa só dificultam o já dificílimo trabalho diário dos mais de 400 profissionais de saúde, que se dedicam exclusivamente a esse projeto nos 10 distritos da área central”.

Em resposta, o delegado Aldo Galeano afirma que não poderia ter havido planejamento prévio com a secretaria já que a operação era sigilosa. “Se a demanda é grande tem que chamar mais gente, como eu fiz para atender essa ocorrência”, disse. Galeano afirmou que não aceita que “seja dado palpite no meu trabalho”. “Se prender traficante dificulta o trabalho da saúde, não posso cometer o crime de prevaricar, ver o crime e não tomar providência”, finalizou.

 

 

Fonte: UOL

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