Operário morto, pedreiro reposto. Bola cantada não é acidente – por Sakamoto

por Leonardo Sakamoto

Um protesto envolvendo milhares de trabalhadores da construção civil parou ruas do Centro da capital paulista na manhã desta sexta (26). Eles reclamam contra os altos índices de acidentes fatais em canteiros de obras e cobram mais investimentos em segurança por parte dos empregadores e mais estrutura para a fiscalização do trabalho pelo governo federal. De acordo com a Força Sindical, foram 12 mortes na capital paulista, em 2012, e outra cinco neste ano.

Muita gente blasfemou contra o trânsito gerado pela manifestação. Mas muitos destes, ao mesmo tempo, não vêem a hora de poder se mudar para o seu apartamento novo que vai ficar pronto e gostariam que a obra terminasse logo. Fascinante.

Os empresários da construção civil estão com sorrisos de orelha a orelha. Programa de Aceleração do Crescimento, “Minha Casa, Minha Vida”, Copa do Mundo, Olimpíadas. Governo injetando bilhões para financiamento. É claro que tudo isso significa mais geração de empregos em um setor que já contrata milhões. Mas produzir em quantidade e rapidamente tem, por vezes, significado passar por cima da dignidade do trabalhador.

O Palácio do Planalto reclamou, em 2010, do excesso de fiscalização, que trava as obras e faz com que o Brasil cresça mais devagar, momento em que foi aplaudido por parte do empresariado. Esquece-se (ou ignora-se) que o ritmo de crescimento não deve ultrapassar a capacidade do país de garantir segurança para quem faz o bolo crescer. Ou ir além da capacidade física e psicológica desse pessoal. Mas como estamos falando dessa gente encardida, não tem problema. Dá mais uma colherada de feijão, uma cachacinha e pau na máquina. O problema em milhares de obras espalhadas pelo Brasil tem, em boa parte dos casos, a mesma raiz: a terceirização tresloucada que torna a dignidade responsabilidade de ninguém.

Mais ou menos assim: Um consórcio contrata o Tio Patinhas para tocar um serviço, que subcontrata a Maga Patalógica, que subcontrata o Donald, que deixa tudo na mão de três pequenas empreiteiras do Zezinho, do Huguinho e do Luizinho. Às vezes, o Zezinho não tem as mínimas condições de assumir turmas de trabalhadores, mas toca o barco mesmo assim. Aí, sob pressão de prazo e custos, aparecem bizarrices. Depois, quando tudo acontece, Donald, Patalógica, Tio Patinhas e o consórcio dizem que o problema não é com eles. E aí, ninguém quer pagar o pato – literalmente. Ficam os trabalhadores a ver navios, como Patetas.

Quando o quiprocó se instalou no canteiro de obras da usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, causado pela revolta de trabalhadores que protestavam contra as péssimas condições de serviço em março de 2011, o governo, que teme por (mais) atrasos nos cronogramas das obras ficou em polvorosa. Na época, a solução apontada pelo Planalto veio na forma de um pacto com empresas e sindicatos para evitar novos conflitos. Disse o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho: “a idéia do pacto é exatamente prevenir para que não haja, em relação as obras da Copa, eventuais atrasos”. O governo quis, dessa forma, copiar o “Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar” – acordo vendido como um instrumento eficiente, mas que até agora não mostrou ao que veio. Na verdade, nenhum dos dois.

Trabalho escravo tem sido encontrado em obras do PAC, do “Luz para Todos”, do “Minha Casa, Minha Vida” (concedendo ao governo uma tríplice coroa), da CDHU em São Paulo (para ninguém dizer que estou batendo só no PT). Pessoas têm dado o sangue em todo tipo de canteiro, como o jovem de 16 anos que morreu soterrado em uma obra no Cambuci, Centro de São Paulo. Ou os nove operários que morreram em um canteiro de obras, em Salvador, quando o elevador em que estavam despencou de uma altura de 65 metros. E, mais recentemente, o operário que perdeu a vida esmagado nas obras do novo estádio do meu Palmeiras. E por aí vai. A capivara do setor cresce a olhos vistos.

Na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, trabalhadores chegaram a declarar greve após um acidente matar um operador de motosserra no ano passado. A morte não teria sido o motivo da greve e sim uma série de reclamações sobre remuneração e condições de trabalho, mas funcionou como estopim. “Nós não temos segurança nenhuma lá. Falta EPI [equipamento de proteção individual], sinalização e principalmente gente pra fiscalizar”, afirmou um trabalhador ouvido pelo Movimento Xingu Vivo. O Consórcio responsável pela obra disse, através de sua assessoria de imprensa, que o trabalhador era contratado de uma empresa terceirizada (Dandolini e Peper) e atuava no processo de terraplanagem e “supressão vegetal”. Sempre uma terceirizada. Até porque as obras são tocadas em última instância por…terceirizadas.

E olha que nem tudo o que acontece é visto. Quem diz isso não sou eu, mas sim as Nações Unidas. “Na maioria dos países, vastos números de acidentes, fatalidades e doenças relacionadas ao local de trabalho não são reportados e nem registrados. Existem provisões em nível internacional e em âmbito nacional para registrar e notificar acidentes e doenças: contudo, a subnotificação persiste como prática frequente em muitos países do mundo”, afirma o relatório Tendências Mundiais e Desafios da Saúde e Segurança Ocupacionais”, documento usado no 19o Congresso Mundial sobre Segurança e Saúde no Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Gosto de repetir que muita coisa mudou desde que os verde-oliva deixaram o poder, naquela abertura “lenta, gradual e segura”, mas mantivemos modelos de desenvolvimento que dariam orgulho aos maiores planejadores daquele período: de que, para crescer rapidamente e atingir nosso ideal de nação, vale qualquer coisa. Passando por cima de qualquer um. Pedro Casaldáliga, símbolo da luta pelos direitos humanos no Brasil, nos contou uma vez que ouviu uma justificativa da boca de um fazendeiro português com terras no Mato Grosso que serve feito uma luva para o que estou querendo dizer: “Dom Pedro, o senhor é europeu, o senhor sabe. As calçadas de Roma foram feitas por escravos. O progresso tem seu preço”.

E como já disse também, se quiser fazer valer os direitos humanos como gosta de se exibir lá fora, o governo terá que comprar brigas com áreas que, historicamente, lhe são importantes (pelo menos, nas campanhas eleitorais), como o setor elétrico, o agronegócio e a construção civil. Afinal de contas, o crescimento tem que estar sujeito ao respeito dos direitos fundamentais e não flanar sobre eles.

Considerando como o Brasil funciona, vamos arrastar – por incompetência ou má fé – as obras de infra-estrutura, hotéis, estádios, aeroportos até o limite do imponderável, nas barbas de 2014. Chegando nesse momento, vamos – como país – adotar um gigante laissez faire, laissez aller, laissez passer, fechar os olhos e seguir em frente, pelo bem da nação que tem o futebol no coração. Aí eu quero ver a quantidade de senzalas que vão pipocar aqui e ali para garantir que os trabalhadores que tornarão a Copa do Mundo possível não fujam.

Enquanto isso, um ingresso VIP para os jogos custa quase R$ 1200,00.

 

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Fonte: Blogo do Sakamoto

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