Os 100 anos do Dia Internacional da Mulher

Em artigo a ministra Nilcéa Freire fala que lutas e conquistas que permeiam o centenário da data merecem reflexão

 

O Globo Online – Março de 2010

A igualdade entre homens e mulheres é um processo em permanente construção. No centenário do Dia Internacional da Mulher, comemorado este ano, devemos celebrar as conquistas e vitórias já alcançadas pela luta feminista. A data oferece uma oportunidade para refletirmos sobre o lugar ocupado pelas mulheres na sociedade ocidental e, principalmente, no Brasil. O movimento feminista conseguiu, no último século, dar visibilidade à luta contra o sexismo, questionando a inferiorização e a subordinação das mulheres, personagens tradicionalmente esquecidas em nossa história.

Especialmente a partir das lutas travadas na década de 70, os direitos das mulheres – de existir com dignidade, de ter uma propriedade, de acesso à educação e ao trabalho, de votar e ser eleita, de participar de espaços de poder e decisão, de ser dona do seu próprio corpo, de viver livre de violência e em igualdade de condições com os homens – foram, em maior ou menor medidas, reconhecidos. Agora, o desafio é garantir que esses direitos fundamentais sejam integralmente vividos e partilhados por todas.

No Brasil, as mulheres já são 51,3% da população. Isso se deve à sobre mortalidade masculina adulta, especialmente negra, e à queda nas taxas de mortalidade feminina relacionadas à gravidez, parto e pós-parto. A queda na taxa de fecundidade, por sua vez, vem alterando a taxa de reposição populacional e traz uma profunda transformação na vida das mulheres. Outra mudança, significativa, foi o aumento da participação feminina no mercado de trabalho. No entanto, de acordo com a PNAD/IBGE de 2008, a inserção econômica de 43% das mulheres ocupadas estava em postos de trabalho com menor nível de proteção social e mais vulneráveis.

O trabalho doméstico ainda é a principal ocupação das mulheres, principalmente das mulheres negras. A baixa formalização e a falta de reconhecimento dos direitos dessas trabalhadoras ainda são desafios a serem superados. Elas são responsáveis por uma atividade de importância crucial para toda a sociedade, o trabalho do cuidado e de reprodução das famílias. Aliás, este mesmo trabalho quando executado de forma não-remunerada não é considerado atividade econômica, reforçando a invisibilidade e a desqualificação do trabalho doméstico em nossa sociedade.

De acordo com estudo da Organização Internacional do Trabalho, as mulheres trabalham cinco horas semanais a mais do que os homens. Elas têm uma jornada total semanal de 57,1 horas, contando com 34,8 horas semanais de trabalho e mais 20,9 horas de atividades domésticas. Já os homens têm uma jornada total de 52,3 horas semanais, sendo 42,7 horas de jornada de trabalho e 9,2 horas semanais de atividades domésticas.

Arrumar a casa, cuidar dos filhos e dos idosos devem ser responsabilidades compartilhadas entre homens e mulheres, sob pena de sobrecarregar algum dos lados. E estes devem ser apoiados por políticas de Estado que assegurem, também, as condições para a reprodução da vida. Por isso, as discussões sobre o aumento da licença-maternidade (e da licença paternidade ou parental) e a adoção de ações afirmativas de gênero devem ser consideradas em conjunto pelos governantes e pela sociedade civil.

Apesar dos desafios, registram-se avanços. As mulheres elevaram a taxa de escolaridade e, nos últimos anos, observa-se uma tendência contínua, ainda que lenta, de redução do hiato salarial existente entre trabalhadores e trabalhadoras. Esta conquista deve-se à política de valorização do salário mínimo e às políticas sociais de transferência de renda. Outra vitória são os importantes passos que vem sendo dados, com ampla participação da sociedade, no sentido da erradicação de todas as formas de violência contra as mulheres. Ainda temos elevados percentuais de violência doméstica no país, mas observa-se que uma importante mudança cultural vem sendo operada desde a sanção da Lei Maria da Penha. O Relatório Global do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) classificou esta legislação como uma das três mais avançadas para enfrentamento à violência contra as mulheres no mundo.

Paulatinamente se constituiu uma poderosa narrativa de desconstrução das desigualdades históricas entre homens e mulheres, a partir da denúncia da invisibilidade do trabalho das mulheres no espaço doméstico e do questionamento da sua posição secundária na sociedade. A equidade de gênero tornou-se uma questão de Estado e a formulação das políticas para sua conquista conta com uma forte e ampla participação social. Mas é preciso ter em mente que o princípio de igualdade entre homens e mulheres deve ser compartilhado por toda a sociedade e isso exige a participação de todos e todas em um permanente exercício de respeito a alteridade e de construção da cidadania.

Nilcéa Freire
Ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Presidência da República

 

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