Os Crespos: Negros na escola e no palco

 

Paulo Betti*/Especial para BR Press

Está em cartaz na Fundição Progresso, aqui no Rio, um lindo espetáculo baseado no livro de Carolina Maria de Jesus, Quarto de Despejo. Trata-se de Ensaio sobre Carolina, com a Cia Teatral Os Crespos.

 

Veja o que diz a jornalista Beth Nespoli, do jornal O Estado de São Paulo: “Impossível negar que o primeiro aspecto a chamar a atenção vem do fato de todo o elenco ser negro. Logo nas primeiras cenas tal característica transforma-se em potência pela forma como é trabalhada – uma busca consciente em harmonizar força poética e consciência crítica.”

 

Quatro atrizes e um ator, muito talentosos, formam o elenco da peça. Todos recém-saídos da Escola de Arte Dramática da USP, onde se juntaram ao perceber a situação inédita de serem cinco negros numa turma.

 

A EAD reflete o que acontece nos outros cursos da USP: maioria de brancos, privilegiados pela possibilidade econômica de obter ensino pago nas escolas primária e secundária, consegue entrar com mais facilidade na melhor escola do país, que é gratuita. Essa herança perversa da ditadura militar, que desmontou o ensino publico primário, então excelente, ainda não foi extirpada de nossa educação.

 

Mas voltemos aos Crespos. Eles compreenderam logo ser uma exceção – eram negros e estavam na melhor escola de teatro do país – e não deixaram a oportunidade passar. Montaram uma peça poderosa baseada num livro que foi um grande sucesso.

 

Catadora de papel


O incrível diário de uma catadora de papel nos anos 50 serve como uma luva para eles discutirem o preconceito e a condição dos negros no Brasil de hoje.

Os atores são excelentes e o espetáculo é sutil e muito bem encenado, com projeções em DVD de imagens raras da escritora Carolina andando por São Paulo, fazendo compras, dando autógrafos.

 

O que mais me impressionou foi a qualidade técnica dos atores. Todos com excelente trabalho de corpo, projeção e timbre de voz. Não se perde uma palavra do que dizem com voz aveludada pelo trabalho de preparação vocal. Além de terem total compreensão e domínio do que dizem – pois o texto é uma criação coletiva.

Bem formados

Nota-se que passaram por uma escola de teatro com bons professores. São muito bem formados. Fiquei pensando em meu colega de EAD nos anos 70, o único negro de minha turma, Waterloo Gregório, já falecido. Waterloo também não desperdiçou sua condição de excepcional naquela escola.

 

Durante o dia trabalhava como escrivão num cartório – foi o datilógrafo mais ágil que já vi, ele era o responsável pela datilografia das peças que montávamos, vê-lo trabalhando com stencil (alguém se lembra?) era uma beleza. À noite, freqüentava a EAD, onde era um aluno brilhante.

Formou-se e foi para Unicamp onde se aposentou como professor da escola de teatro que ajudou a criar.

E ainda tem gente que é contra as cotas!

Esta mais do que provado que quando existe oportunidade elas são muito bem aproveitadas. O pessoal de cor sabe o valor do que não tem fácil: boas escolas.

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Não vou esquecer de nomear as feras que saíram da EAD e estão ganhando mundo: Joyce Barbosa, Lucélia Sérgio, Maria Gal, Mawusi Tulani e Sidney Santiago. O talentoso diretor convidado é José Fernando Azevedo. Longa vida aos Crespos e ao seu belíssimo Ensaio sobre Carolina.

(*) Paulo Betti é ator e diretor.

Fonte: brpress

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