Micah Xavier Johnson, o jovem que na semana passada matou cinco agentes e feriu outros sete em Dallas (Texas, Estados Unidos), apoiava alguns grupos separatistas negros, e sua atitude reacendeu um debate que tem ganhado força a cada nova notícia de violência policial contra negros no país: esses coletivos mais extremistas estariam renascendo mais fortes nos Estados Unidos?
Neste domingo, mais policiais foram mortos em um tiroteio em Baton Rouge, a capital da Louisiana. Ainda não se sabe a motivação de quem atirou, mas a cidade – e o país – vive um clima de tensão racial por causa da morte de negros por policiais (Alton Sterling, vendedor de CDs em uma loja de conveniência em Baton Rouge, e Philando Castile após ter sido parado por policiais por causa de um farol queimado no carro em Minnesota).
Em meio a essas polêmicas, grupos separatistas negros como o Novo Partido Panteras Negras para Autodefesa, a Nação do Islã, e o Partido da Liberação dos Caveleiros Negros, por exemplo, têm se fortalecido.
O caso da semana passada chamou a atenção especialmente por conta de uma frase que Johnson teria dito antes de morrer por causa de uma bomba detonada por um oficial da polícia. Segundo os próprios policiais, ele gritou para eles que “queria matar agentes brancos”.
Ainda que tenha dito que atuava sozinho e que não era filiado a nenhuma organização, a participação de Johnson nas redes sociais revela o entusiasmo que sentia pelos grupos que lutam de maneira radical pelos direitos dos negros no país.
Ainda não está claro se, de fato, Johnson pertencia a algum deles, mas em uma das imagens de seu perfil no Facebook, ele chegou a levantar o punho no estilo da saudação do Black Power, o poder negro, algo associado ao Partido dos Panteras Negras, uma organização nacionalista negra, socialista e revolucionária que surgiu nos Estados Unidos entre 1966 e 1982.
Micah Johnson também havia se unido a grupos na internet que faziam referências aos Panteras Negras.
Além disso, muitas das organizações que supostamente o inspiraram o haviam incluído em uma “lista negra”, segundo noticiou o site americano de notícias “The Daily Beast”.
O que são os grupos separatistas negros?
Enquanto alguns grupos de ativistas como o “Black Lives Matter” (A Vida dos Negros Importa, na tradução livre) assumiram um papel central na pressão em cima do poder público para promover uma reforma policial e a justiça racial nos Estados Unidos, os grupos separatistas de negros têm um enfoque mais extremista.
Muitos desses “grupos de ódio” têm suas raízes no racismo e no anti-semitismo, de acordo com Heidi Beirich, do Centro Legal para a Pobreza no Sul (SPLC na sigla em inglês).
Benrich afirmou à BBC que esse tipo de movimento extremista se diferencia de outros coletivos de supremacia branca, como a Klu Klux Klan, já que eles surgiram como resposta e forma de combate à opressão branca aos negros na sociedade.
Muitos dos atuais grupos separatistas negros tomam como referência o Partido das Panteras Negras original, que chegava a ter uma patrulha de cidadãos armados para supervisionar o comportamento da polícia da Califórnia durante a década de 1960.
No entanto, nenhum desses grupos modernos é filiado aos Panteras Negras.
Segundo Clayborne Carson, historiador de Stanford, o antigo movimento promoveu a resistência armada, mas depois optaram por outra estratégia.
“Eles concluíram que incentivar esse tipo de supervisão com armas era contraproducente porque dificultava o apoio da comunidade negra”, pontuou Carson à BBC.
“Em certo sentido, as patrulhas dos Panteras Negras no passado faziam o que hoje fazem as câmeras fazem hoje”, afirmou o historiador. “Se eles tivessem iPhones naquela época, não só teriam vigiado a polícia, como a teriam gravado cometendo seus abusos.”
Quem são eles?
O “Novo Partido das Panteras Negras para Autodefesa” (NBPP, na sigla em inglês), foi fundado em 1989 na cidade americana de Dallas e é hoje um dos principais grupos separatistas negros do país.
O grupo conta com uma plataforma de luta de dez pontos em que defendem o poder de praticar a autodeterminação para a fundação de uma “Nação Negra”, a liberação de todos os prisioneiros negros, o fim da brutalidade policial e convoca os negros a portarem uma arma para “autodefesa”.
O Centro Legal para a Pobreza no Sul e a Liga Anti Difamação chamaram o NBPP de um grupo de ódio cujos líderes estão incentivando a violência contra os brancos, os judeus e a polícia.
O próprio Bobby Seale, co-fundador do movimento das Panteras Negras, considerou a retórica do Novo Partido das Panteras Negras para a autodefesa como “xenofóbica e absurda”.
A história da Nação do Islã é um pouco diferente. Esse movimento foi fundado em 1930 e é considerado como o mais antigo dos grupos nacionalistas negros nos Estados Unidos.
Ainda que suas atividades ofereçam programas de serviços sociais às comunidades afro-americanas, o SLPC e a Liga Anti Difamação consideram a consideram um “grupo de ódio fundado no anti-semitismo e no racismo”.
Finalmente, o Clube de Tiro Huey P Newton levou esse nome em homenagem a um dos integrantes originais dos Panteras Negras. Ele surgiu no ano passado, também em Dallas, diante daquilo que seus organizadores chamaram de “terrorismo policial”.
Esse movimento ensina autodefesa e realiza patrulhas em zonas da cidade onde os negros já foram mortos pelas mãos de policiais.
“Ao nos armarmos, somos capazes de criar uma cultura de independência das instituições do governo, porque elas não levam em consideração nossos interesses”, disse Rakem Balogun, um dos fundadores do clube.
“Quando (os brancos) nos veem com armas de fogo, eles pensam que somos bandidos em vez de pensarem que somos defensores dos negros”, afirmou.
Ainda que Johnson, o jovem que matou cinco agentes no Dallas, fosse seguidor do grupo do Clube de Tiro Huey P Newton no Facebook, o membro do movimento Erick Khafre disse ao Los Angeles Times que Johnson não estava vinculado ao clube “de nenhuma maneira”.
Para Heidi Beirich, do Centro Legal para a Pobreza no Sul (SPLC), esse clube de tiro não é considerado um grupo de ódio porque não reforça ideias racistas.
Quantos existem?
Nos últimos anos, as mortes de cidadãos negros em incidentes com a polícia fizeram proliferar mais e mais grupos separatistas negros, de acordo com o SPLC.
De acordo com um estudo realizado pelo Washington Post, em 2015, os policiais atiraram e mataram quase mil civis.
Acrescente-se a isso, conforme pontua Heidi Beirich, as mortes de Michael Brown, Eric Garner, Freddie Gray e, mais recentemente, Philando Castilo, e Alton Sterling, que acabaram sendo utilizadas como “ferramentas de organização” por diversos grupos para enfatizar o racismo que existe na polícia.
Em resposta a tudo isso, o número de grupos separatistas negros aumentou de 113 em 2014 para 180 em 2015, de acordo com as estatísticas do SLPC.
Em que eles acreditam?
Cada grupo defende diferentes ideais com relação ao poder negro e à opressão branca. No entanto, muitos grupos separatistas negros são explicitamente anti-brancos e tendem a ter em comum também um alto nível de desconfiança sobre o governo e o poder público, segundo Beirich.
Alguns grupos são também anti-semitas e anti-gays, algo que poderia se atribuir à retórica defendida por muitas décadas pela Nação do Islã.
O líder deste grupo, Louis Farrakhan, é conhecido por pregar o anti-semitismo e por disseminar mensagens homofóbicas.
“Esses falsos judeus promovem a sujeira da sociedade de Hollywod e tentam disseminá-la pelo povo americano e pelo mundo e, com isso, enfraquecem sua moral…são judeus malvados, falsos os judeus que promovem o lesbianismo e a homossexualidade”, disse Farrakhan em 2006.
“Esse grupo deixou uma onda radical no movimento nacionalista negro”, observou Beirich. Segundo a representante do Centro Legal para Pobreza no Sul, muitos radicais podem ter começado como membros da Nação do Islã para logo assumirem posições mais extremistas.
Pelo contrário, o movimento “Black Lives Matter” se estende para além da comunidade negra nos Estados Unidos.
“O que surpreende do protesto organizado por eles é que ele é multirracial”, observa o historiador Clayborne Carson. “É provavelmente um dos movimentos mais multirraciais que existem atualmente nos Estados Unidos.”