Os legados para as meninas negras só podem ser construídos por mulheres negras que movem as estruturas

As mulheres negras são 28% da população brasileira¹. Em números reais, estamos falando de aproximadamente 59 milhões de histórias e vidas diferentes entre si, mas submetidas a questões sociais comuns: todas são atravessadas, desde a infância, ainda que indiretamente, pelo racismo e machismo que operam as relações sociais no Brasil.

Frequentemente vemos a existência de mulheres negras relacionadas às mazelas da sociedade brasileira, e embora sejamos as vítimas mais recorrentes de homicídios², existe uma força ancestral que ainda nos mantém como o maior grupo demográfico do país.

As mulheres negras são a minoria no mercado de trabalho, no quadro político, nas direções de empresas, na televisão e nas instâncias dos poderes legislativo, executivo e judiciário. Somamos a este cenário os dados do Insper³ que apontam que na mesma profissão, os homens brancos chegam a ganhar mais que o dobro que as mulheres negras. Destacamos ainda, que a pandemia aprofundou este cenário de desigualdades.

Assim, a ideia de que as mulheres negras são a base da pirâmide social vem desta força de (re)existir, mesmo diante um cenário de caos e violências causados por ausências que tentam nos determinar e exterminar.

A constituição de um espaço de ausências, onde as mulheres negras não podem existir enquanto sujeitas de direitos, políticas e ativas, mobilizam cada vez mais corpos femininos e negros para ações coletivas. Assim, nos mobilizamos para fortalecer meninas, adolescentes e jovens negras para que as próximas gerações de mulheres negras possam de fato estar presentes e representadas em todos os espaços na nossa sociedade enquanto sujeitas de direitos e de poder.

Cientes da limitação, e ao mesmo tempo da potência que 23 vozes vivenciam, há quase um ano nos reunimos neste Portal semanalmente para mostrar a pluralidade e a individualidade que as mulheres negras são e representam, pois sabemos que a luta das mulheres negras não é apenas contra as violências que atravessam a maioria das nossas histórias, mas também pelo reconhecimento da individualidade e humanidade que cada uma carrega dentro de si.

A objetificação dos corpos e das vidas de mulheres negras como pessoas que resistem a todas as dificuldades de maneira silenciosa ou raivosa, nunca nos coube. As inúmeras vozes e lutas que vieram antes das nossas nos ensinam e estimulam a deixar um futuro de fé e possibilidades para aquelas que estão por vir.

É preciso cancelar a imagem da mulher negra forte, silenciosa, submissa, vulnerável e raivosa e reconhecer que são 59 milhões de histórias que têm em comum o mesmo gênero e a cor da pele. Embora estas características nos aproximem no campo da ancestralidade, não podemos mais ser reduzidas a elas. Nossa pele não nos define, nosso gênero não nos define, embora o machismo e racismo insiste em objetificar a existência e o florescer de meninas e mulheres negras.

A Coletiva Negras que Movem é formada por 23 histórias e vozes desta multidão, cada uma com sua individualidade, mas todas com o mesmo propósito de questionar e enfrentar a forma como o racismo, articulado ao sexismo, afeta a vida de meninas e mulheres negras, partindo da ideia que “quando uma mulher negra se movimenta, toda sociedade se movimenta com ela”, como nos ensina ngela Davis. Assim, acreditamos que quando nos articulamos chegamos mais longe, com maiores aprendizados e ampliamos conhecimento das realidades.

Seguimos lutando e construindo possibilidades para que meninas e mulheres negras possam sonhar, planejar, realizar e florescer.

Este texto foi construído de maneira coletiva pelas autoras:

Mayara Silva de Souza
Clara Marinho
Brígida Rocha dos Santos


¹ Negras são 28% dos brasileiros, mas têm baixa participação política. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/eleicoes-2020/noticia/2020-10/negras-sao-28-dos-brasileiros-mas-tem-baixa-participacao-politica.

² Mulheres negras são as principais vítimas de homicídios; já as brancas compõem quase metade dos casos de lesão corporal e estupro. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/09/16/mulheres-negras-sao-as-principais-vitimas-de-homicidios-ja-as-brancas-compoem-quase-metade-dos-casos-de-lesao-corporal-e-estupro.ghtml.

³ Na mesma profissão, homem branco chega a ganhar mais que o dobro que mulher negra, diz estudo. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2020/09/15/na-mesma-profissao-homem-branco-chega-a-ganhar-mais-que-o-dobro-da-mulher-negra-diz-estudo.ghtml.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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