Os negros excluídos e os negros esquecidos

Mônica Francisco *

Fico pensando em que outro país sem guerra declarada de qualquer sorte, temos uma cota de perdas de vidas jovens com tanta recorrência. Mais do que pensar, me pergunto se o que temos em termos de números nesse sentido, e que infelizmente  só fazem crescer quando recortamos para a classe e a cor da pele e quase sempre negra, seja qual for a nuance, vai continuar ignorada.

Hoje, ouvindo uma fala sobre a resposta das grandes empresas publicitárias sobre o não se ter peças com atores negros e negras pelo fato de os negros e negras não serem consumidores fortes de muitas marcas. Até porque, como parodiam de forma inteligente o pessoal do “Tá bom pra você?”, negro usa creme dental, sabonete, come margarina e tem família. Pode ser que muitos não saibam, mas as negras até vão aos salões e usam esmaltes, absorventes, são mães…

E assim seguimos aqui por nossa terra brasilis, quebrando pedra e dando nó em pingo d”água, só para dizer que apesar das insinuações, somos humanos e também merecemos respeito, ou melhor, merecemos viver. Acentuo os negros e negras porque somos a maioria nas favelas e periferias, áreas onde respeito à vida de quem lá vive não é muito a ordem de todos os dias

Gostaria de lançar um desafio, louco eu sei: e se nós, negros e negras não consumíssemos por um mês, é, só um mês, o que aconteceria? Se de uma vez todos os negros e negras do país fechassem suas contas nos bancos privados que nos invisibilizam?

Será que não faríamos tanta diferença assim no equilíbrio financeiro destas empresas? Qual seria o efeito colateral disso tudo?

Pois bem, assim também o é nas favelas. Ainda indesejadas e constantemente pensadas a partir da sua não mais existência nas cidades, o que fariam se os favelados ficassem um mês sem participar da vida das cidades. Sem ofertar sua mão-de-obra a ela, o que poderíamos esperar?

Mas isso são só delírios.O fato é que para mudar, temos de enfrentar frontalmente o que se coloca para nós e tentar transformá-lo. Muitos são os desafios para o Brasil real do qual nós, negros, negras, favelados, índios, viciados e viciadas em crack, pessoas em situação de rua, sem hospital, sem saúde, sem escola, como afirmou o sociólogo Pierre Bourdieu em relação à educação e eu, com licença poética, utilizo no atacado aqui, “os excluídos do interior”, somos brasileiros que ainda não obtivemos pleno direito ao Brasil.

Mas a gente chega lá, porque esperança é o que a gente tem de sobra. Se nos mandarem calar, a gente grita, e se quiserem nos fazer parar, a gente insiste. Para finalizar a história, em mais uma triste semana no Complexo do Alemão, gritamos juntos: “Caio, presente!!”

“A nossa luta é todo dia e toda hora. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!”

*Representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.

 

 

 

Fonte: Jornal do Brasil

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