OSCAR por Sueli Carneiro

Mais uma cerimônia do Oscar e um fato inédito ocorre, contrariando as expectativas acerca dos vencedores. Pela primeira vez, os prêmios de melhor ator e melhor atriz são dados a atores negros, e o ator e diretor Sidney Poitier recebeu um Oscar especial pelo conjunto de sua obra.  As manchetes do dia seguinte à premiação eram variações do mesmo tema: Oscar é negro! Em todos os 72 anos de existência do evento em que não aconteceu de dois principais intérpretes serem negros não ocorreu a ninguém assim noticiar: Oscar é branco!

Por Sueli Carneiro

Uma das facetas da crueldade do racismo é essa: produzir estigmas e exclusões que condicionam os julgamentos e atuam sempre como mediadores da avaliação das pessoas negras.

Alguns analistas consideraram o resultado ‘‘politicamente correto” em função de um esforço coletivo da sociedade norte-americana pós 11 de setembro para tornar coesa a nação americana; outros entenderam que se fez justiça e história, ou seja, até então eles não ganhavam porque são negros, agora ganharam também porque são negros. Em qualquer dos casos o sentido principal da premiação, como definido por Washington, ‘‘um aplauso para você como ator” fica subestimado em função do ineditismo de a negritude ser premiada.

Mas, apesar dessas questões, o que mais impressiona a uma pessoa negra brasileira é a constatação de que os negros norte-americanos compõem apenas 12% da população do país onde são de fato uma minoria; estiveram submetidos a décadas de segregação e perseguição racial e ainda são. Empreenderam um movimento de direitos civis do qual resultou um sistema de ação afirmativa que permitiu alavancar socialmente, em três décadas e meia, um terço dos afro-americanos, que hoje compõem os estratos médios e altos da sociedade norte-americana. E, de quebra, com todos os percalços, lá é possível a atores negros conquistarem a maior láurea da indústria cinematográfica.

Um dia após a festa negra do Oscar, uma nova notícia nos fala da primeira ação de reparação nos EUA, isto é, a ativista afro-americana Deadria Farmer-Paellamann ‘‘entrou com uma ação coletiva numa corte federal de Nova York pedindo indenização a três grandes empresas, acusando-as de terem enriquecido com a escravidão”. São elas a Aetna, uma seguradora; a FleetBoston, empresa do setor bancário e financeiro, e a CSX, que faz a operação de ferrovias. Os advogados que cuidam do caso esperam intimar mais 12 empresas. E, de acordo com Deadria, cerca 60 empresas cooperaram com uma pesquisa de cinco anos sobre o relacionamento com a escravidão no país. Na hipótese de a tese ser vitoriosa na Justiça, as indenizações constituiriam um fundo de fomento para os afro-americanos nas áreas de saúde, habitação e educação. Ou seja, é hora de cuidar dos afro-americanos que as ações afirmativas não contemplaram.

 

No país da agonizante democracia racial, em que 44% da população é negra, em raríssimas oportunidades foi dada a atores e atrizes negras a condição de protagonistas em filmes brasileiros, sem falar nas novelas. Ao contrário, nessas vigora nesse momento um princípio informal de ação afirmativa que não altera o caráter secundário dos personagens negros nas tramas. Por outro lado, as tímidas iniciativas de cotas em curso esbarram numa forma de resistência imune a toda e qualquer evidência de desigualdade social entre negros e brancos.

Invariavelmente se diz que devemos nos orgulhar pelo fato de aqui não haver prosperado a divisão racial que se vê nos EUA. Que é um patrimônio respeitável não termos tido em nossa história uma experiência espúria de segregação legal e ódio racial como a que dividiu EUA e África do Sul.

Isso sempre me lembra um argumento de Contardo Calligaris que disse em uma oportunidade que ‘‘o mito da democracia racial é fundado em uma sensação unilateral e branca de conforto nas relações inter-raciais. Esse conforto não é uma invenção. Ele existe de fato: é o efeito de uma posição dominante incontestada”.

Essa incontestabilidade produz o repúdio tanto às atitudes politicamente corretas como à reparação das injustiças históricas.
O Brasil sem dúvida merece um Oscar de melhor roteiro sobre relações raciais…

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