Pacificação na Maré é sinônimo do medo

Não temos a garantia de um dia de paz. Linha Amarela interditada, uma pessoa baleada, crianças sem aula, trabalhadores sem poderem ir trabalhar e o dia repleto de tiroteios. É rotina no Complexo da Maré. Hoje, a chuva que caiu na Maré foi de ‘bala’. Os moradores da Nova Holanda, Baixa do Sapateiro, Vila do Pinheiro e Vila do João sofreram o dia inteiro com trocas de tiro entre policiais do Bope e criminosos armados.

Por Walmyr Junior Do Jornal do Brasil

A militarização do território, com a desculpa de pacificar a favela, revela o interesse real do Estado: promover o medo e a morte. O clima de constante insegurança nos faz sentir na pele o teor de uma guerra sem fim. Aterrorizando o meu e o dia a dia e de muita gente que mora aqui.

Entre helicópteros e blindados do Bope, entre fuzis e granadas da polícia está a criança indo para a escola com medo de não ter aula, o trabalhador que sai de casa com medo para a sua jornada, por não saber se dorme em casa quando estiver voltando da labuta, o jovem estudante que caminha com medo por ser estereotipado apenas por ser preto e pobre. Além disso, todos esses atores e atrizes carregam um sentimento em comum: o medo de ser a próxima vítima da guerra.

Por que não há a paz com tanta polícia dentro da favela?

Quero responder a essa pergunta com outra pergunta: por que a única coisa que o Governo manda para a favela é a polícia? Instauraram uma guerra dentro do nosso quintal e criaram o mito da guerra as drogas só para alimentar o sentimento de medo dentro da cabeça do nosso povo. Não aguentamos mais essa tortura.

Se a polícia fosse sinal de paz dentro do território, não passaríamos pelo que passamos diariamente no Complexo da Maré. Somos obrigados a conviver com tanta contradição. Falta hospital, escola, saneamento, lazer e tantas outras coisas, mas o Estado só manda polícia, polícia, polícia.

Quero problematizar esse conceito de ‘pacificação’ que vem sendo muito usado na política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. Segundo o dicionário, a pacificação “é a ação ou efeito de pacificar (tornar pacífico); ação que consiste no restabelecimento da paz”. Aqui na Maré, pacificação é sinônimo medo e morte, produto de uma guerra criada pelo Estado.

O que está correto, o sinônimo de pacificação do dicionário ou o da favela??

* Walmyr Júnior é morador de Marcílio Dias, no conjunto de favelas da Maré, é professor e representante do Coletivo Enegrecer no Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve). Integra a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ. 

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