RIO – A Anistia Internacional divulgou nesta quarta-feira uma nota pública sobre o relatório final divulgado pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). Segundo a entidade, o documento abre caminho para que “a Lei de Anistia não seja um obstáculo à investigação desses crimes”. A nota afirma ainda que “é fundamental que o Brasil puna os responsáveis pelas graves violações de direitos humanos ocorridas no período (da ditadura militar)” e, além disso, “quebre o ciclo da impunidade com o passado que alimenta torturas, execuções extra-judiciais e desaparecimentos forçados no presente”.
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A Anistia ressalta também que as Forças Armadas “devem reconhecer sua responsabilidade institucional pelos abusos cometidos”. Para a entidade, a decisão da CNV de responsabilizar os líderes do regime autoritário “é um marco histórico crucial para a obtenção da justiça com respeito ao período”.
Leia abaixo a nota na íntegra:
“O Brasil vive hoje um dia histórico com a apresentação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, que durante dois anos investigou graves violações de direitos humanos ocorridas no país durante a ditadura militar. O documento é um passo importante nos esforços do Brasil em obter justiça para os crimes contra a humanidade cometidos pelos agentes do Estado durante a ditadura militar.
Ao comprovar o caráter generalizado das violações de direitos humanos cometidas por agentes do Estado durante o regime ditatorial instaurado em 1964 e reconhecê-las como crimes contra a humanidade, o relatório final da CNV abre o caminho para que a Lei de Anistia não seja um obstáculo à investigação desses crimes. Esta recomendação reforça a sentença de 2010 da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia) e chama a atenção para as falhas do Estado brasileiro em cumprir com suas obrigações.
Cinquenta anos após o golpe de Estado que estabeleceu o regime autoritário, é fundamental que o Brasil puna os responsáveis pelas graves violações de direitos humanos ocorridas no período e quebre o ciclo da impunidade com o passado que alimenta torturas, execuções extra-judiciais e desaparecimentos forçados no presente.
As Forças Armadas devem reconhecer sua responsabilidade institucional pelos abusos cometidos durante a ditadura militar. As investigações empreendidas pela Comissão Nacional da Verdade estabelecem de maneira clara o funcionamento do aparato repressivo da ditadura como uma política de Estado que atravessou diversos governos,formulada nos altos escalões das Forças Armadas e do Poder Executivo. A decisão da Comissão de responsabilizar os líderes do regime autoritário é um marco histórico crucial para a obtenção da justiça com respeito ao período.
O trabalho da Comissão acerca do impacto da ditadura sobre os povos indígenas e trabalhadores rurais demonstra a necessidade de aprofundar os levantamentos sobre o alcance das violações de direitos humanos ocorridas contra os grupos mais vulneráveis da sociedade brasileira, que ainda não tiveram o devido reconhecimento de suas demandas . Por isso, mostra-se fundamental a continuidade dos trabalhos de investigação iniciados pela CNV, como está proposto nas recomendações.
Ao vincular a impunidade do passado às graves violações de direitos humanos que persistem até hoje, em especial na área da segurança pública, o relatório final da Comissão Nacional da Verdade mostra de forma clara como o ciclo de violência é alimentado pela falta de justiça. O documento faz recomendações importantes como a desmilitarização das polícias militares, a independência das perícias e institutos médicos legais do aparato da segurança pública, o fortalecimento das defensorias públicas e melhorias no sistema prisional, com garantia de direitos aos presos. O relatório também recomenda o aperfeiçoamento da legislação brasileira para tipificação dos crimes contra humanidade e de desaparecimento forçado, marcos importantes da legislação internacional de proteção aos direitos humanos.
O Brasil chegou com atraso aos processos de justiça de transição, quase 30 anos após o fim da ditadura e depois das importantes iniciativas de seus principais vizinhos na América do Sul. O relatório final da CNV se soma ao trabalho da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, da Comissão de Anistia e a décadas de mobilizações de sobreviventes de torturas, familiares de vítimas e organizações de direitos humanos como a Anistia Internacional.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade também contempla uma importante dimensão do processo de justiça de transição e efetivação do direito à memória e à verdade ao recomendar a revisão dos currículos escolares civis e militares para incorporar a valorização dos ideais democráticos e o repúdio às atrocidades do regime autoritário, e promover políticas de memória, como construção de museus e abertura de arquivos, para melhorar o conhecimento da sociedade brasileira a respeito da ditadura. Tais iniciativas educacionais são fundamentais para o fortalecimento do Estado de Direito no Brasil e para reforçar o clamor do país de que a resposta ao regime autoritário e às violações em massa de direitos humanos só pode ser uma: Nunca Mais”.