Para eles, não há motivo algum para adotar o “deboísmo”

Um dos temas que tem circulado pelas redes sociais nos últimos dias é sobre o tal “Deboísmo”,(ficar de “boas”), ou seja, uma “filosofia” que ressalta a famosa convivência pacífica entre pessoas com opiniões diferentes e a tolerância, em resposta à animosidade que vem afetando as relações entre as pessoas, por conta de questões políticas, esportivas, de segurança e um leque extenso de outras situações cotidianas.

Por Mônica Francisco, do Jornal do Brasil 

Muito louvável o gesto dos dois jovens responsáveis pela ideia, um casal de namorados de Goiânia, Laryssa de Freitas e Carlos Abelardo. Agora a tarefa é inglória, se pensarmos nas realidades que atravessam as vidas de milhares de outras e outros jovens, contemporâneos do casal e que vivem nas grandes periferias das cidades.

Isto tem sido, acredito eu, um dos maiores desafios de nosso tempo. Penso que para o nível de opressão e violência a que são submetidos(as) nossos(as) jovens ou nossas juventudes menos privilegiadas, com a ausência de uma infraestrutura adequada e necessária para que se constituam como cidadãos e cidadãs plenos, é quase insano pedir-lhes que olhem para tudo “de boas”.

Os relatórios oficiais, emitidos após pesquisas realizadas por institutos, fundações, ongs e demais organismos que se empenham em publicizar anualmente a situação de nossa população ou até mesmo produzindo relatos detalhados sobre grupos específicos como é o caso de nosso assunto aqui, as juventudes marginalizadas por conta de encontrarem-se “às margens”  da sociedade, por sua condição sócio- econômica, cultural ou racial, ou ainda, todas elas juntas.

Na última segunda-feira, dia 31/08, os integrantes do Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro, apresentaram à sociedade, na sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro. o relatório final do projeto intitulado “Militarização das Favelas: Impactos na Vida dos Jovens Negros e Negras” . O Fórum de Juventudes RJ,  é uma organização formada por coletivos, grupos e autônomos, na sua maioria jovens negros e negras moradoras de favelas e bairros periféricos do Estado do Rio de Janeiro.

Importante coletivo na defesa dos direitos humanos e na constante tentativa de dar visibilidade aos episódios de aviltamento da dignidade das juventudes empobrecidas e vulnerabilizadas, principalmente  pelas ações protagonizadas pela máquina estatal, o FJ coletou uma série episódios ocorridos nas favelas ocupadas por Unidades de Polícia Pacificadora.

Com o intuito de expôr a massiva campanha em curso por setores da sociedade em apresentar os jovens das periferias, negros e negras em sua maioria, como inimigos da sociedade e principais causadores dos problemas diários, principalmente  em se tratando de ações violentas e confrontos entre grupos armados. Impedindo sua circulação na cidade ou constrangendo-a e restringindo-a à espaços circunscritos, o relatório traz a escuta e olhar, coletados em diálogo com a juventude de algumas favelas do Rio.

Na Maré, Complexo do Alemão, Vila Kennedy, Providência, SãoJorge/Campo Grande, Vidigal, Santa Marta, Manguinhos, Jacarezinho, Rocinha e Acari, além de outras áreas do Estado com: Santo Cristo/Niterói, São Bernardo/Belford Roxo, Jardim Primavera/Duque de Caxias e Engenho/Itaguaí.

Jovens entre 14 e 29 anos, que vem sentindo literalmente na pele, sem trocadilhos, a força e o peso do racismo institucional e dos danos irreparáveis na sua educação, saúde, cultura e pior, ações constantes que vem afetando mais que a qualidade, a própria vida deles, construíram em parceria com a equipe do projeto o que está apresentado de forma clara e comovente neste relatório.

Os jovens que formam o todo do contingente que representou-os na construção desse projeto, são a clara resposta de que não há motivo algum para adotar o tal “deboísmo”  em muitas e porque não dizer na maioria das situações que os envolvem, e que os força de maneira constante a manter-se na luta por uma mudança na forma como são representados, bem como na maneira como são tratados por grande parte da sociedade.

Você  pode ler a íntegra do relatório, através do link ,https://drive.google.com/file/d/0B3R3qr3he2nOYXdGLTlHT0NzQ2c/view?usp=sharing

“A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não aos Autos de Resistência, à GENTRIFICAÇÃO, à REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL, ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO, ao MACHISMO, À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER e à REMOÇÃO!”

*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.(Twitter/@ MncaSFrancisco)

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