Para fugir do ‘imperialismo chinês’, africanos apostam no Brasil

Governantes, empresários e microempresários africanos enxergam no Brasil um país “amigo”

Por: Victor Longo

Relações de trabalho parecidas com a escravidão, produtos com qualidade baixa, exploração comercial e natural sem geração local de empregos. Com queixas como essas, empresários e políticos de países africanos até admitem que as empresas chinesas têm sido importantes para o crescimento das suas economias, mas sentem uma forte necessidade de diversificar seus negócios.

Nesse cenário, o Brasil tem sido visto como um país que, para além de “amigo”, tem potencial para ser um forte investidor e parceiro comercial, mas com pouca iniciativa. As queixas contra a forte presença da China nesses países – denominada por alguns “novo imperialismo chinês” – foram feitas por representantes africanos durante a Feira Internacional de Negócios Feafro, que aconteceu na Costa do Sauipe na semana passada.

O empresário industrial nigeriano Emeka Ujor afirmou que a qualidade baixa dos produtos chineses na área do vestuário, por exemplo, abre boas oportunidades para brasileiros. “Há muitos nigerianos que não gostam dos produtos chineses desse segmento. Há espaço para produtos brasileiros de todo tipo de vestuário básico, como as calças jeans”, exemplificou.

Acontece que os mercados africano e chinês são complementares. Isso porque os produtos chineses, que possuem custo inferior, são compatíveis com a baixa renda per capita africana. Além disso, por possuir uma forte indústria, o país asiático também é importante fornecedor de tecnologias pesadas e produtos manufaturados, papel que o Brasil não tem capacidade de substituir.

Soberania
Mesmo assim, as críticas à China são muitas. O empresário congolês do ramo comercial Andre Kandza afirma que a excessiva presença chinesa no continente acaba “alienando a soberania” dos países. “É preciso diversificar os parceiros de negócios e o Brasil é um país que tem potencial para isso”, afirmou o empresário, mesmo reconhecendo que os chineses são “muito eficientes”.

Outros políticos e microempresários também se queixaram do fato de as empresas chinesas não se preocuparem, por exemplo, em capacitar e empregar a mão de obra local. “Eles só querem trabalhar com os próprios chineses, então o emprego não vai para os africanos”, disse um político que preferiu não se identificar.

Apesar das críticas, os executivos africanos reconhecem nos chineses um forte pragmatismo e uma grande eficiência nos negócios. “Talvez faltem essas características aos brasileiros”, confessou um empresário. “Aqui na Bahia, nós buscamos parcerias comerciais, mas temos dificuldade; parece que o preconceito vem antes de qualquer coisa”, queixou-se.

Os governantes, empresários e microempresários africanos enxergam no Brasil um país “amigo”, com quem podem estabelecer negócios sem características do imperialismo, como a exploração do território sem retorno social. “Com o Brasil, é possível fazer negócios em relações ganha-ganha, com benefício para ambas as partes”, considerou Kandza.

Apesar disso, é nos chineses que os africanos têm encontrado investidores eficazes e práticos. Ilustrativo é o caso da empresária camaronesa Marie-Roger Biloa. Ela recebeu propostas do governo chinês para uma parceria comercial em negócios do setor energético – especificamente a construção de uma hidroelétrica em Camarões. Em visita à Bahia, no entanto, ela confessou que preferia procurar outros parceiros. “Vim com a expectativa de encontrar uma parceria para esse negócio. Alguém daqui seria melhor”, considerou.

No entanto, perto do final do evento, a empresária, mesmo sempre sorridente, parecia desolada. “Queria encontrar boas parcerias aqui, mas não estou encontrando nada”, lamentou-se. O jeito? Ficar com os chineses. “Só posso ficar com o que eu tenho, não é? Com o que eu não tenho, não posso fazer nada”, reclamou. “Os chineses são práticos, são pragmáticos, são eficientes…”, refletiu.

 

Fonte: Correio 24 Horas

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