Para ministra, partidos não financiam campanhas femininas

Para as eleições do próximo dia sete, 52% do eleitorado é feminino, confirmando uma tendência já verificada nas últimas eleições que corresponde aos cerca de 97 milhões de mulheres e 93 milhões de homens residentes no país segundo o Censo 2010. Mas número de eleitas vem caindo. Para Eleonora Menicucci, da Secretaria de Política para as Mulheres, o problema é de ordem financeira.

Por: Rodrigo Otávio

Rio de Janeiro – As aparências enganam ao tomar-se a presidenta Dilma Rousseff como exemplo da participação das mulheres no cenário político formal brasileiro. Entre 188 nações, o país ocupa a 141ᵅ posição no ranking da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o tema. E a questão torna-se mais intrigante ao se comparar tal quadro com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para as eleições do próximo dia sete, 52% do eleitorado é feminino, confirmando uma tendência já verificada nas últimas eleições que corresponde aos cerca de 97 milhões de mulheres e 93 milhões de homens residentes no país segundo o Censo 2010. O número de candidatas também cresce proporcionalmente, principalmente após a aprovação de cotas de candidaturas femininas na lei eleitoral de 1995. Mas o de eleitas faz o caminho inverso, diminui.

De acordo com dados divulgados no seminário “80 Anos do Voto Feminino no Brasil”, realizado quarta-feira (12) na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, para as assembleias legislativas estaduais nas eleições de 2002, o percentual de candidatas foi de 14,8, e o de eleitas 12,5. Nas eleições de 2006, as candidatas eram também 14%, mas as eleitas caíram para 11%. Em 2010, 21,28% de candidaturas e 12% de eleitas. Na câmara federal, em 2002, 11,4% de candidatas e 8,2% de eleitas. 12,71% de candidatas e 8,8% de eleitas em 2006. E em 2010, 21,17% de candidaturas femininas e 8,8% de eleitas.

Eleonora Menicucci, ministra da Secretaria de Política para as Mulheres da Presidência da República, não titubeia ao apontar a contribuição dos partidos políticos para tal assimetria. O problema é de ordem financeira. Segundo a ministra, de acordo com a lei 12.034/09, a minirreforma eleitoral, “há a obrigatoriedade da manutenção da proporcionalidade de um mínimo de 30% e um máximo de 70% por sexo na lista de candidaturas por partidos. E a utilização de no mínimo 5% dos recursos do fundo partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres”.

“Aí está o problema, no financiamento de campanhas, na distribuição de recursos”, afirma Menicucci. “Você tem 100%. 5% para as mulheres é absolutamente desigual. Precisamos, dentro de todos os partidos, enfrentar essa questão de financiamento. Ele tem que ser paritário para homens e mulheres. Há uma desigualdade enorme na distribuição dos recursos, em todos os partidos. A média fica em 5% ou 10% para as mulheres. Isso permeia a cultura política, e nós precisamos mudar essa cultura política”, diz ela.

Realidade
No Rio, entre panfletos e aparições relâmpago na TV ou no rádio, a situação parece ser pior do que a descrita pela ministra. “O que nós temos recebido é um valor muito pequeno, ínfimo, de ajuda financeira, e algum material impresso em quantidade bastante diferente da recebida por homens”, relata Lúcia Reis, candidata a vereadora pelo PT.

Informada sobre a média de 5% a 10% de recursos destinados pelos partidos, ela disse ser difícil fazer esse cálculo no caso petista. “Não posso afirmar isso porque não houve transparência para se conhecer o montante que está disponível para a campanha e o percentual que foi destinado a cada candidatura, especialmente às candidatas. Mas nós temos uma rede na internet em que todas se manifestam e é sempre a mesma coisa, ‘cadê o material?’, ‘faltam recursos’, é uma insatisfação muito grande. Eu já reclamei bastante com o partido de quanto recebi de ajuda financeira, é um valor quase que simbólico”.

No PV, que com Aspásia Camargo representa a única candidatura feminina à prefeitura, a situação não difere. “Eu financio a minha própria campanha, totalmente. Na primeira campanha, que foi muito barato, em termos comparativos evidentemente, e nessa também”, diz a vereadora Sonia Rabello, candidata à reeleição. A discussão do tema com o partido também é difícil, para não dizer inexistente. “O partido nunca me ofereceu. O que eles oferecem é panfleto, da forma que eles querem fazer. Eles oferecem os panfletos aos candidatos ‘em geral'”, completa ela.

Fiscalização
Para a ministra, a paridade financeira entre candidatas e candidatos dentro de um partido virá como consequência de uma série de modificações, “por exemplo, uma reforma política, uma reforma eleitoral, que obrigue os partidos a cumprir a lei. 30% de um sexo, 70% de outro”.

Nesse capítulo, Menicucci se diz otimista com a eleição da ministra Cármen Lúcia para a presidência do TSE. “Tive uma agenda com a ministra Cármen Lúcia e ela nos afirmou ‘que o partido que não apresentasse na sua lista de candidatos a proporção de 70% a 30% não seria aceito’. E ela cumpriu. O dado que temos hoje é que pela primeira vez atingimos 31,8% de candidaturas femininas para cargos legislativos municipal e executivo”, afirma.

E vai além. “E eu tive a paciência de olhar os sobrenomes e os perfis. Apenas 3,8% são ‘laranjas’, ou mulheres que são ligadas por traços consanguíneos a homens que já estavam na política ou que não podiam se candidatar. Isso é muito alvissareiro!”.

Apesar dos bons ventos soprados pela ministra, as candidaturas laranjas das mulheres ainda são uma realidade no Rio. Para a verde Sonia Rabello, “em muitos e muitos casos a candidatura feminina ainda é ‘laranja’ dentro dos partidos. Colocam mulheres para preencher a cota e cumprirem a lei, na verdade buscam alguém, ‘por favor, me dê seu nome’, para não correrem riscos”.

A vereadora diz se perguntar “se essas pró-atividades da lei são eficientes”. “Se eles colocam 30%, e desses 30% uma parte é de candidatura de mulheres ‘laranjas’, como se modifica essa realidade?”, questiona, “com imposição legal ou com uma política cultural mais abrangente, modificando a própria política?”.

Lista
A petista Lúcia Reis crê no voto em lista como a trilha para a maior participação feminina autêntica, sem ‘laranjas’. “Os 30% passaram a ser obrigatórios, mas eles não garantem a participação feminina no resultado eleitoral. Se o voto fosse em lista, conforme o PT inclusive defendeu na reforma política que não foi a frente no Congresso Nacional, a lista seria escalonada para garantir os 30%, e a gente teria uma bancada feminina em qualquer casa legislativa”.

Para ela, “assim como temos as cotas para os alunos da rede pública ou a garantia da presença de negros e de indígenas, que foi uma maneira de começarmos a fazer o processo de reversão da discriminação, na política seria o mesmo caso. Com lista o voto seria na legenda partidária, a lista seria definida nos congressos dos partidos, e eles obrigatoriamente teriam que colocar os nomes com esse percentual de 30% garantido”.

 

 

Fonte: Carta Maior

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