Para protestar contra o colonialismo, ativista congolês retira artefatos de museus

FONTEO Globo | por Farah Nayeri / The New York Times
Ativista congolês Mwazulu Diyabanza, em Paris Foto: ELLIOTT VERDIER / NYT

No início de uma tarde de junho, o ativista congolês Mwazulu Diyabanza visitou o Museu Quai Branly, que guarda tesouros das antigas colônias da França. Acompanhado de quatro pessoas, caminhou pelas coleções africanas do museu parisiense, admirando os tesouros expostos. Mas o que começou como uma visita comum logo se transformou numa demonstração ruidosa, quando Diyabanza começou a denunciar o roubo cultural da era colonial, enquanto um de seus colegas filmava o discurso e o transmitia ao vivo via Facebook. Com a ajuda de outro membro do grupo, ele pegou uma peça funerária de madeira do século 19, de uma região que agora está no Chade ou Sudão, e se dirigiu para a saída. Os guardas do museu o pararam antes que ele pudesse sair.

No mês seguinte, na cidade de Marselha, no sul da França, Diyabanza pegou um artefato do Museu de Artes Africanas, Oceânicas e Nativas Americanas em outro protesto transmitido ao vivo, antes de ser interrompido pela segurança. E no início deste mês, em uma terceira ação também transmitida no Facebook, ele e outros ativistas pegaram uma estátua funerária congolesa do Museu Afrika em Berg en Dal, na Holanda, antes que os guardas o parassem novamente.

‘Museu de objetos roubados’

O ativista congolês Mwazulu Diyabanza Foto: ELLIOTT VERDIER / NYT

Agora, Diyabanza, o porta-voz de um movimento pan-africano que busca reparações pelo colonialismo, escravidão e expropriação cultural, deve ser julgado em Paris em 30 de setembro. Junto com os quatro associados da ação do Quai Branly, ele enfrentará uma acusação de tentativa de roubo, em um caso que provavelmente colocará em questão o histórico colonial da França e seu patrimônio cultural da África Subsaariana presente em seus museus — cerca de 90 mil objetos.

— O fato de eu ter que pagar para ver algo que foi levado à força, uma herança que pertencia ao lugar de onde eu vim, foi isso que me fez tomar a decisão de agir — disse Diyabanza, em uma entrevista em Paris neste mês.

Descrevendo o Quai Branly como “um museu de objetos roubados”, ele acrescenta:

— Nada impede que alguém retome uma propriedade que era sua quando a encontra.

O presidente Emmanuel Macron prometeu em 2017 devolver grande parte do patrimônio da África mantido pelos museus da França. Para isso, ele encomendou a dois acadêmicos um relatório sobre a melhor forma de levar adiante esse plano.

O relatório de 2018, feito por Bénédicte Savoy e Felwine Sarr, propõe que quaisquer artefatos removidos da África Subsaariana na época colonial deverim ser devolvidos permanentemente se foram “tomados à força, ou presumivelmente adquiridos em condições injustas”, e se seus países de origem pedirem por eles. Apenas 27 restituições foram anunciadas até o momento, e apenas um objeto foi devolvido.

A peça funerária do Quai Branly, segundo a descrição do museu, foi um presente de um médico e explorador francês que realizou missões etnológicas pela África. Mas para Diyabanza e seus associados, os conteúdos do museu são todos produtos da expropriação. Como ele disse no discurso transmitido ao vivo antes de apreender o item, ele “veio reclamar de volta a propriedade roubada da África, propriedade que foi roubada sob o colonialismo”.

Outro caso

Diyabanza também enfrentará um julgamento separado em Marselha em novembro. Na entrevista, ele afirma que a fúria o levou a remover o objeto em um ato espontâneo e não premeditado, e que ele escolheu a peça funerária por ser “facilmente acessível” e não aparafusada.

— Em qualquer lugar em que nossas obras de arte e patrimônio estejam trancados, iremos buscá-los — afirma.

Diyabanza não está sozinho nesse tipo de ação. Na sexta-feira, um tribunal de Londres considerou Isaiah Ogundele, de 34 anos, culpado de uma acusação de assédio em um protesto em uma galeria relacionada à escravidão no Museu de Londres. De acordo com um comunicado do museu, a manifestação ocorreu em janeiro, diante de quatro obras africanas emprestadas pelo Museu Britânico.

A preocupação entre administradores de museus é que tais ações se multipliquem, causem estragos dentro dos museus e atrapalhem as negociações de restituição entre a Europa e a África.

Inversão de papéis

Dan Hicks, professor de arqueologia contemporânea e curador do Museu Pitt Rivers, da Universidade de Oxford, descreve a intervenção de Diyabanza no Quai Branly como “um protesto visual”, feito sob medida para as mídias sociais. Ele destaca que o caso traz uma inversão de papéis: um objeto cultural estava sendo apreendido na Europa em nome de pessoas na África.

Para Hicks, o episódio trata de “objetos em museus e como nos sentimos sobre eles” e levanta questões sobre “cultura, raça, violência histórica, história e memória”.

— Quando chega ao ponto em que nosso público sente a necessidade de protestar, provavelmente estamos fazendo algo errado — avalia. — Precisamos nos abrir para o diálogo quando nossas exibições ofendem ou incomodam as pessoas.

A peça funerária não estava exposta em uma visita recente ao Quai Branly. Um porta-voz do museu se recusou a responder a perguntas sobre sua condição e localização, mas um guarda disse que ele estava sendo restaurado.

O porta-voz do Quai Branly condenou veementemente a ação de junho. No tribunal, Diyabanza e seus quatro associados serão defendidos por três advogados.

— Vamos colocar a escravidão e o colonialismo em julgamento em 30 de setembro — diz um dos advogados, Calvin Job. — Estamos à frente de uma batalha legítima contra acusações injustas.

O estado francês tem “objetos em suas coleções que são produto de roubo”, acrescenta Job.

— Se houver algum ladrão neste caso, ele não está entre nós, mas do outro lado.

Hakim Chergui, outro dos advogados, diz que a ação de Diyabanza não deve ser vista como uma tentativa de roubo, mas como uma declaração política. Ele está confiante de que os réus serã absolvidos, argumentando que a França não processa pessoas por motivos políticos.

— Não estamos falando de um bando de vigaristas que queriam roubar uma estátua para revendê-la — diz. — São claramente pessoas que têm uma mensagem política e que, por meio de um ato militante, querem se engajar com a opinião pública.

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