Para reitor da USP, denunciar estupro na universidade é “ação inquisitória”

Alunas relataram que, na última reunião do Conselho Universitário, realizada essa semana, o reitor colocou a pauta das violações em “panos quentes” e ainda as intimidou enquanto tentavam argumentar: “Você é incapaz de me responder” 

Por Ivan Longo 

Enquanto centros acadêmicos, movimentos sociais, coletivos e até a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) se mobilizam para amparar as vítimas, colher denúncias e promover debates acerca dos recentes casos relatados de estupros e violações de direitos humanos na Universidade de São Paulo (USP), a reitoria prefere minimizar o problema, classificando as denúncias como ações “inquisitórias” e “purificadoras”.

A definição partiu do próprio reitor Marco Antonio Zago, na última reunião do Conselho Universitário do ano, realizada na última terça-feira (9). Depois de anunciar o corte orçamentário de 30% para o ano que vem, Zago introduziu a pauta das denúncias, mas optou por criticar as próprias pessoas vítimas ao invés de centrar suas críticas aos agressores.

“São casos isolados de alguns (…) A USP não irá, como querem alguns, promover autos-de-fé (…) As denúncias são ações inquisitórias e purificadoras”, afirmou.

O relato partiu de quatro representantes discentes, alunas da graduação, que estiveram presentes na reunião. Segundo elas, professores e diretores que também estavam no encontro tiraram sarro das alunas nos momentos em que tinham a fala e um deles, inclusive, teria depositado a culpa dos relatos de violência no Diretório Central dos Estudantes (DCE) e no movimento estudantil. “Uma menina de calcinha no trote é um passo para o estupro”, disse. 

Em sua fala, a representante discente Gabriela Ferro afirmou que alguns diretores vêm omitindo os casos de violações de direitos. Um diretor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, então, em tom provocativo, teria feito piada e perguntado se estava incluído entre eles.

De acordo com as estudantes, entre pouco caso e piadas – um dos professores ainda teria filmado, através de um celular, a fala de uma delas para constrangê-la – o ápice da reunião teria sido quando o reitor Zago protagonizou um ataque moral contra uma das alunas.

“Após o pronunciamento de uma das RDs sobre o tema orçamentário, Zago simplesmente não reconheceu a legitimidade dos argumentos apresentados e, de modo arbitrário e autoritário, diante de todo conselho, ordenou que a mesma voltasse ao microfone e se retratasse, posto que o reitor discordava de seus argumentos. Ao tomar a palavra, a RD imediatamente foi interrompida pelo reitor, que gritava repetidas vezes, em altíssimo tom de voz: ‘você é incapaz de me responder’, ‘você é incapaz de me responder’”, afirmou a representante discente, aluna de Nutrição, Vanessa Couto.

A USP, até o momento, não se pronunciou em relação ao relato das alunas. Em nota publicada no dia da reunião, no site da instituição, o reitor Zago apenas afirma que “a Universidade de São Paulo é detentora de respeitável história no campo da defesa dos direitos individuais e sociais” e reforça sua fala da reunião: “Ações isoladas de alguns, sejam estudantes, docentes ou servidores, não desviarão a USP do seu papel de baluarte na defesa dos direitos humanos, o que não significa promover autos de fé, como querem alguns: todos sabem aonde levam ações inquisitoriais e purificadoras”.

Confira a íntegra do relato das estudantes aqui e o comunicado de Zago aqui.

 

Leia mais sobre Violência contra Mulher 

+ sobre o tema

Aborto invisível

Mesmo nas circunstâncias em que é legal, interrupção da...

Casos Samuel e Saul Klein: violência de gênero também se aprende em casa

Advogando pela busca dos direitos humanos das mulheres há...

O feminismo é para toda a gente

Combater o assédio e toda a violência sexual contra...

“Sou fruto de estupro e a favor do aborto ”

Claudia Salgado, 28 anos, gerente de varejo, fala de forma...

para lembrar

Os Gays e a Bíblia

É no mínimo surpreendente constatar as pressões sobre o...

Toda feminista é mal amada

E ela só é mal amada porque é mulher....

Cantor espanca ex-esposa na frente do filho de 6 anos

Vídeo flagra cantor de banda de forró agredindo a...

Inscrições para o 12º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe até 15/10/2011

As interessadas em participar do 12º Encontro Feminista Latino-Americano...
spot_imgspot_img

Pesquisa revela como racismo e transfobia afetam população trans negra

Uma pesquisa inovadora do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans), intitulada "Travestilidades Negras", lança, nesta sexta-feira, 7/2, luz sobre as...

Aos 90 anos, Lélia Gonzalez se mantém viva enquanto militante e intelectual

Ainda me lembro do dia em que vi Lélia Gonzalez pela primeira vez. Foi em 1988, na sede do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), órgão...

Legado de Lélia Gonzalez é tema de debates e mostra no CCBB-RJ

A atriz Zezé Motta nunca mais se esqueceu da primeira frase da filósofa e antropóloga Lélia Gonzalez, na aula inaugural de um curso sobre...
-+=