Parem de nos matar! – Por Jônatas Cordeiro da Silva

Na segunda-feira de carnaval (12/02), Lucas Almeida, estudante de educação física e ex-estagiário do Stúdio Vitória, pediu para que três jovens negros que curtiam o Bloco de Carnaval “Bleque”, em Vitória (ES) posassem para uma foto, Lucas postou esta foto em um storie do instagram com a legenda racista “Vou roubei seu celular”. A inspiração de Lucas foi a série de memes igualmente racista que circula na internet e associa a imagens de jovens negros ao crime de furto.

Por Jônatas Cordeiro da Silva enviado para o Portal Geledés 

Facebook/Reprodução

Na Quarta-Feira de Cinzas (14/02), Iarley Duarte um dos jovens que estava na foto foi avisado e fez uma postagem em resposta ao ato de injúria racial de Lucas Almeida, atualmente a postagem tem quase 15 mil compartilhamentos. Descobriu-se o local de trabalho de Lucas Almeida o Stúdio Vitória, que no mesmo dia começou a ser avaliado com 1 estrela em sua página no facebook, com a recorrente frase “Gostaria de um posicionamento da empresa em relação ao funcionário racista que fez uma foto de jovens negros no carnaval os acusando de ladrões”. As 22:41 do mesmo dia a empresa publicou uma nota de repúdio a ação de seu funcionário e informou sua demissão. O autor da nota foi Fabrício Affonso sócio-proprietário da empresa, que também é negro e de origem periférica, em sua nota ele destaca as dificuldades que teve em sua trajetória profissional, comum à negras e negros que conseguem alguma ascensão social, além de reconhecer que a postagem de seu ex-funcionário beira a ingenuidade, no entanto, escreve Affonso de maneira bastante contundente “Nem a imaturidade, nem o carnaval e nem a bebida é desculpa para o racismo. Nada é desculpa para o racismo”. Atualmente o Stúdio Vitória tem 48 avaliações de 1 estrela e 1.500 de 5 estrelas, em que a empresa é parabenizada pela demissão de seu antigo estagiário. O posicionamento do Stúdio Vitória nos traz à tona o seguinte questionamento, empresas que apresentam funcionários com atitudes igualmente racistas e não possuem em um cargo de poder funcionários negros que atitudes dão tomadas?

Em seu perfil no facebook que atualmente está desativado Lucas Almeida tentou se retratar, em sua explicação disse ele que usou o meme para fazer referência a si mesmo, por isso a utilização do verbo na primeira pessoa do singular (vou), sua justificativa foi que ele queria combater o racismo de forma irônica, o posicionamento de Lucas é um exemplo do racismo à brasileira, endossado pelo mito da democracia racial, que durante anos disseminou a ideia de que diferente de países como Estados Unidos e África do Sul, que passaram por regimes segregacionista o racismo no Brasil se deu de forma mais branda. Em 2014 97% da população branca assumia que o Brasil é pais racista, ao mesmo tempo que dizia que não possuir nenhum preconceito de cor, mas conhecer um amigo, colega de trabalho namorado que o tinha, ou seja, o racismo à brasileira também é um racismo sem racistas. A escritora e artista interdisciplinar Grada Kilomba ao estudar a branquitude é taxativa em dizer que o racismo é um problemática branca, diz a autora que pessoas brancas não devem se perguntar “eu sou racista?” e sim “como eu desconstruo meu racismo?”

Mas a atitude de Lucas e a série de memes é só uma brincadeira? É válido lembrar que de acordo com o Atlas da Violência 2017, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) a cada 100 pessoas assassinadas 71 são negras, ou seja, a população negra tem 23,5% mais chance de ser assassinada do que indivíduos pertencentes à outros grupos étnicos. A Anistia Internacional nos informa que o grupo mais afetado pelos homicídios são os jovens (15 a 29 anos), que representam 26,9% da população, 30 mil jovens são mortos por ano, dos quais 77% são negros. Esses dados nos mostram que homens negros jovens são assassinados como se vivessem em uma situação de guerra. No Espírito Santo, estado onde aconteceu o ato de Injúria Racial de Lucas Almeida, conforme aponta o Índice de Vulnerabilidade Juvenil a Violência 2017, a taxa de homicídios de jovens negros é de 139,48, a cada 100 mil habitantes, enquanto de jovens brancos é de 25,46, ou seja, a possibilidade de um jovem negro ser assassinado no ES é 5,5% maior do que a de um jovem branco, 6ª maior diferença do país segundo a UNESCO. Deste modo se a série de memes e a ação de Lucas “é só uma brincadeira”, ela colabora por perpetuar a imagem de jovens negros e periféricos a um estereotipo de criminoso, se esse tipo de ação não é puxar o gatilho das armas que nos mata é dar a arma engatilhada para que nos matem, ou chutar nossos corpos sem vida. Parem de nos matar!

 

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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