“Passando o Brasil a limpo…”

Foto: Marcus Steinmayer

“Causa espécie o posicionamento manifestado por alguns democratas de vários matizes contrários às cotas. Distanciando-se da própria tradição de solidariedade, e , mesmo recorrendo a argumentos com aparência robusta, tais pessoas acabam de braços dados com o conservadorismo e com a visão de que apenas o desenvolvimento e o progresso podem resolver os dilemas nacionais. Em países injustos como o Brasil, com distorções sociais criadas e consolidadas ao longo de extenso período histórico, apenas o desenvolvimento econômico não basta para superar certas iniqüidades e perversidades como é o caso da discriminação racial. Exige, para isso, também, políticas públicas afirmativas – e a discriminação positiva das cotas seria uma delas.

por Sueli Carneiro

Basta olhar para todos os lados, para as nossas universidades, Forças Armadas, instituições, entidades, empresas públicas e privadas, nossa burocracia, enfim, a sociedade falante, pensante e mandante para ver que as mazelas da escravidão ainda estão presentes na quase total ausência dos negros nesse nosso meio. Os negros moram nos piores lugares nas cidades, detêm os piores empregos, percebem os menores salários, sofrem mais doenças, têm piores índices de analfabetismo, menos tempo nas escolas, menor expectativa de vida. Se tomarmos como exemplo a mulher negra, a situação é mais dramática ainda, porque ela é atingida por um processo duplo de exclusão – ou de hierarquização descendente. De gênero e etnia.

O Estado brasileiro e suas instâncias políticas, sociais e econômicas apresentam desgraçadamente uma única cor, esmagadoramente branca. Isso não corresponde absolutamente à nossa realidade. Cabe, portanto, dar à República a cor da vida e aí, não tenho dúvida, se destaca o negro.”

Essa extensa citação foi extraída do artigo Brasilidade: a superação do nacionalismo estreito” de autoria do senador Roberto Freire, presidente nacional do PPS partido que integra a Frente de apoio à candidatura de Ciro Gomes.

Esse artigo de Freire, compõe com outros, a publicação Brasil em Questão – a Universidade e a Eleição Presidencial lançada recentemente pela UNB como resultado do Fórum Brasil em Questão que desde fevereiro desse ano vem discutindo as questões estratégicas para o país. Essa publicação é um amplo diagnóstico sobre os problemas mais candentes da sociedade brasileira e contribuição inestimável para todos os que sinceramente desejam “passar o país a limpo”. Supunha-se portanto que os candidatos a presidência da República, alvo prioritário dessa publicação, estivessem preparados para debater os temas propostos e reconhecidos como fundamentais dentre eles, a questão racial e a superação das brutais desigualdades raciais que o Brasil apresenta.

Para cada tema debatido os autores da obra propõem questões aos candidatos à presidência da República. O senador Roberto Freire tendo em vista o diagnóstico apresentado acima apresentou apenas essa:

“Gostaria de saber o que pensam os presidenciáveis sobre formas de conciliar a integração, com seu caráter homogeneizador, ao lado da afirmação de particularidades sociais, políticas e econômicas. E, como se deve encaminhar o País para a construção dessa brasilidade.”

O debate com o presidenciável Ciro Gomes, aconteceu em 07/04 na UNB. Nele, um desavisado estudante negro Rafael dos Santos, encarna o senador e indaga a posição do candidato sobre políticas de cotas para negros. Ciro Gomes não apenas se posicionou contra argumentando que os negros não precisam que ninguém fique com peninha deles, como impediu que fosse dada a palavra ao estudante negro.

No entanto, o que mais surpreende na postura do candidato é o fato dele apresentar-se ao eleitorado brasileiro como um novo paradigma de modernidade buscando exibir conhecimento e competência em relação a todos os temas sobre os quais é provocado a opinar, e entretanto, mostra-se “desinformado” sobre a importância que o problema da inclusão da diversidade adquiriu nos desafios do mundo contemporâneo e sobre os compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro em relação a promoção dos grupos penalizados socialmente pelo racismo, a discriminação racial, de gênero e outras formas conexas de intolerância. Ao contrário da suposta excelência que procura sempre demonstrar manifesta-se sobre esse tema reproduzindo o senso comum mais chulo.

Num debate em São Paulo, o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva pediu que Ciro comparasse seu temperamento e atitudes com as de Collor. Ele responde: “Não sei quanto o preconceito vai se espalhar pelo fato de eu ter o estereótipo de jovem nordestino.”

Rejeitei o sentimento de peninha que se insinuava em mim, em relação ao candidato. Preconceitos não requerem pena, mas indignação! E políticas de combate adequadas. Por isso, prefiro acreditar que Collor é único, inimitável, irreproduzível e inigualável. Portanto é inadmissível aceitar que os preconceitos correntes contra os nordestinos sobretudo, em relação a esse “jeito especial de ser” do jovem nordestino a que se refere o candidato, produzam a perversidade de compara-los todos a Collor. Tanto quanto é perverso comparar políticas de restituição de direitos historicamente sonegados a um grupo social com piedade. Ou impedir a fala de representante desse grupo secularmente silenciado.

Que “saia justa” senador ! Da próxima vez lembre de Garrincha e combine antes com o adversário. Essa, e as “outras jogadas” em andamento…

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