Paulina Chiziane: por uma nova visão do mundo

O contato com a palestra “O perigo da história única”, da contadora de histórias e escritora nigeriana Chimamanda Adichie me proporcionou um olhar para dentro de mim mesma ao interrogar-me sobre minha aproximação com a literatura africana. Descobri que jamais havia lido, visto, tocado um livro africano, escrito por africanos, especialmente escrito por mulheres africanas. Envergonhada, todavia, consciente do que nos separa das escritas africanas, parti em busca da ampliação do meu eu, tendo meu primeiro contato com um livro africano, através do romance Niketche: uma história de poligamia, da escritora moçambicana Paulina Chiziane.

por Aline Matos

Em consonância, como bem expressou Chimamanda Adichie, “o que a descoberta dos escritores africanos fez por mim: salvou-me de ter uma única história sobre o que os livros são”. Nesse sentido, ler Paulina Chiziane é estabelecer outra relação consigo mesmx[1], na medida em que sua escrita busca nos mostrar outras formas diferentes de ser o que se é. Paulina Chiziane nasceu em Manjacaze, Moçambique em 1955. É reconhecida como a primeira mulher moçambicana a escrever um romance. Sendo uma das principais vozes no que diz repeito à luta por obtenção da liberdade, justiça, igualdade, reconhecimento das diferenças e descolonização da vida, em específico do pensamento das pessoas africanas.

Para Paulina Chiziane, não adianta mudar toda uma sociedade, e o pensamento permanecer o mesmo. Contra a mesmidade de ser o que somos sem nos abrirmos para o outro (em específico para a visão feminina), procurando enxergar o mundo, também, através de seus olhos, que a escrita de Paulina Chiziane irrompe. Surge como uma voz que necessita ouvir a si mesma, visibilizando-a, por que acima de tudo isso a beneficia e favorece outras mulheres, em especial as mulheres africanas, pois, são elas que estão falando de si próprias, expressando sobre o seu mundo.

“Para mim escrever é uma maneira de estar no mundo. Eu preciso de meu espaço, é por isso que escrevo. Em primeiro lugar escrevo para existir, eu escrevo para mim. Eu existo no mundo e a minha existência repete-se nas outras pessoas. Sei que devo modificar o ambiente pela força de meu espírito (…) para quebrar o silêncio, para comunicar-me, para apelar à solidariedade e encorajamento das outras mulheres ou homens que acreditam que se pode construir um mundo melhor” (CHIZIANE, 2002-2013).

Para que a existência de Paulina Chiziane ressoe e se repita em nossos seres, contribuindo para a transformação e construção de um mundo melhor, que convido a cada uma/um para o Festival Latinidades deste ano, a fim de contemplarmos a escritora moçambicana Paulina Chiziane e sermos afetadxs com o seu pensamento e os seus olhos de Andorinhas[2].

Andorinhas!

Quem nunca as viu? Cantam e dançam, por cima de todas as coisas. Querem ouvi-las? Tem de levantar os olhos para o céu, o Zulwine, lavar os olhos no azul que tranquiliza a alma e escutá-las. Elas inspiram-nos a descobrir a grandeza da alma na imensidão do mundo. Se queres conhecer a liberdade, segue o rasto das andorinhas (Ditado Chope)” (CHIZIANE, 2013).

Sigamos então Paulina Chiziane no Festival Latinidades.

Referências

ADICHIE, Chimamanda Ngozie. Os perigos de uma história única

CHIZIANE, Paulina. As andorinhas. Belo Horizonte: Nandyala, 2013.

  1. Eu, Mulher… Por uma Nova Visão do Mundo. Disponível na Revista do Núcleo de Estudos de Literatura Portuguesa e africana na UFF, vol. 5, nº 10, Abril de 2013.

Entrevista Paulina Chiziane. Maputo, 10 de abril, 2002.

[1] Utilizo o x no lugar da vogal (a), porque desse modo cabe todo mundo, para além do binarismo entre os sexos.

[2] Referência a seu livro “As Andorinhas”.

Fonte: Afrolatinas

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