Peça em cartaz no Teatro da USP discute a questão racial no País

Baseado em texto clássico do dramaturgo Plínio Marcos, espetáculo fica em cartaz até 12 de agosto

Por Andre Romani Do Jornal da USP

Cena do espetáculo Navalha na Carne Negra, em cartaz no Teatro da USP – Foto: Divulgação / Sergio Fernandes

O cenário, os personagens e os diálogos são os mesmos imaginados pelo dramaturgo santista Plínio Marcos (1935-1999), mas as peças são diferentes. Essa é a iniciativa da montagem Navalha na Carne Negra, que está em cartaz no Teatro da USP (Tusp), de quinta a domingo, até 12 de agosto. Encenada apenas por atores negros, o espetáculo adapta o clássico marginal de Plínio Marcos – Navalha na Carne – para escancarar a questão racial no Brasil.

Navalha na Carne apareceu nos palcos pela primeira vez em 1967, em São Paulo, trazendo a história da prostituta Neusa Sueli, do cafetão Vado e do camareiro gay Veludo. Passada num quarto de bordel, a história trabalha a situação subalterna e marginalizada de seus personagens. Pouco mais de 50 anos depois, o espetáculo com direção do professor José Fernando Peixoto de Azevedo, da Escola de Arte Dramática (EAD) da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA) da USP, propõe uma releitura diferente. “A montagem é, digamos, uma apropriação do texto do Plínio, numa perspectiva que a gente pode chamar de teatro negro, tanto pelas questões que essa imagem acaba identificando quanto pela presença de atores negros na cena”, conta ele.

O dramaturgo santista Plínio Marcos – Foto: Sitio oficial Plínio Marcos

A principal mudança entre essa exibição e a dramaturgia original está exposta já em seu nome. “Na situação de extrema pobreza em que o Plínio os descreve, todo mundo imagina que esses personagens sejam negros. Só que eles não são feitos por essas pessoas no teatro, ocorrendo uma invisibilidade desse corpo na arte”, explica a atriz  Lucelia Sergio, que também faz parte da companhia Os Crespos. O objetivo da encenação é justamente transformar em realidade essa imagem que os espectadores já tinham. “Os corpos negros redimensionam o texto, a partir de seus significados diante de nós e de como eles reconfiguram relações historicamente falando”, relata o diretor.

Para que esse fator físico ganhe ainda mais importância, o texto original foi mantido. Alguns artifícios foram utilizados, no entanto, com o objetivo de dar destaque a certas cenas, principalmente as que possuem mais agressão. De acordo com Lucelia, “nós repetimos algumas cenas ou as suspendemos, para frisá-las como momentos de reflexão sobre a violência experimentada por essa carne negra”.

Navalha na Carne Negra também conta com um aspecto técnico diferenciado, que mistura cinema e teatro: a presença de uma câmera em cena filmando toda a montagem. Essas imagens são reproduzidas ao vivo em televisões que ficam ao lado do palco, permitindo ao público ter duas visões do espetáculo. “A câmera capta e enquadra a partir de perspectivas que não estão imediatamente evidentes. Ela vai deslizando pelos pontos de vista dos personagens, redirecionando aquilo que está acontecendo”, explica Azevedo. A hibridização entre essas linguagens também necessitou de uma adaptação dos próprios atores.”O momento em que fazemos o teatro para o público e conversamos com ele através da TV exige uma dosagem na interpretação”, coloca a atriz.

Cena de Navalha na Carne Negra: peça inclui cenas do espetáculo transmitidas ao vivo por televisores instalados ao lado do palco – Foto: Divulgação / Sergio Fernandes

Outro fator influenciado pela presença da câmera é a violência, questão central no texto de Plínio Marcos, que foca a perspectiva doméstica. De acordo com a atriz, “a utilização da câmera foge a essa agressão. Muitas vezes ela não chega a se constituir, porque a câmera dá uma outra visão”. A intenção é não vulgarizar a brutalidade, mostrando-a apenas em momentos importantes, que realmente modificam a cena. “Se nossa escolha fosse realmente partir para a agressão física, esvaziaria o campo da reflexão com relação à tortura que é a violência doméstica. Porque não se trata apenas de agredir fisicamente, mas também psicologicamente, moralmente etc.”, conta ela.

Todos os atores dessa montagem participam de algum coletivo relacionado ao teatro negro. Além de Lucelia, completam o elenco o idealizador do projeto, Rodrigo dos Santos, da Companhia dos Comuns,e Raphael Garcia, do Coletivo Negro. Para Azevedo, que também é colaborador da compania Os Crespos, “de certo modo todos nós ali estamos envolvidos nessa discussão sobre o que é o negro na sociedade brasileira e o que seria um teatro que elabora essa relações”.

Navalha na Carne Negra fica em cartaz até 12 de agosto, de quinta-feira a sábado, às 21 horas, e domingos, às 19 horas, no Teatro da USP (Tusp), localizado na Rua Maria Antonia, 294, Vila Buarque, em São Paulo. Ingresso: R$ 20,00. Mais informações podem ser obtidas no site do Tusp

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