Pela Vida das Mulheres Negras, vamos todas/os/es

“A noite não adormece nos olhos das mulheres a lua fêmea, semelhante nossa, em vigília atenta vigia …” Conceição Evaristo

Eu gostaria de escrever que não dormimos pra viver intensamente tudo de bom que tem a vida, mas a noite não adormece nos nossos olhos, porque vigiamos o racismo que fica na espreita, aguardando nosso cochilo. Não dormimos porque está sob nós o peso do racismo, em nossos corpos que se estende a comunidade inteira.

Por Emanuelle Goes, do População Negra e Saúde

Na madrugada vigiamos na janela, tal como a lua que vigia, a demora do menino negro que não chega, o menino-filho-pai-irmão-vizinho-companheiro, a tormenta da espera, que seja mais uma vez o atraso: culpa do transporte ou porque a noite estava linda e se estendeu.

No Brasil estima-se que mais de 42 mil adolescentes de 12 a 18 anos poderão ser vítimas de homicídio nos municípios com mais de 100 mil habitantes entre 2013 e 2019 (UNICEF). E dos 30.000 jovens vítimas de homicídios por ano, 77% são negros. As mães dos filhos assassinados seguem a vida adoecidas, a saúde integralmente comprometida, vivendo na ausência de tudo.

A tripla ou mais jornadas de trabalho que não nos deixam dormir. Deita tarde para organizar a vida da família, o acesso a bens duráveis como a máquina de lavar roupa, que poderia contribuir para um cochilo, chega de forma lenta e hierarquizada até as mulheres, cerca de 66% das mulheres negras urbanas que são chefes de família não tem máquina de lavar, as mulheres negras rurais chegam a 90%.

Levanta cedo percorre a cidade por horas a fio para chegar no trabalho, a imobilidade urbana não nos deixa dormir, o uso do tempo não é favorável. São as mulheres negras sudestinas (15,5%) que perdem mais tempo no deslocamento da residência ao local do trabalho, mais de uma hora e meia, enquanto apenas 5,4% das mulheres brancas sulistas estão nesta situação.

E seguimos nós, o trabalho doméstico que para muitas ainda é sim uma realidade, pois cerca de 63% das mulheres são negras neste tipo de ocupação, que nós vê como “quase da família” para precarizar mais ainda o trabalho e incidir com sucesso o racismo cordial.

De acordo com o Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, apesar se sermos a maioria neste tipo de serviço, são as mulheres brancas (29,3%; negras 24,6%) tem mais acesso a carteira assinada. Reforçando o caráter estruturante da discriminação racial e do racismo que permanece e é fruto do regime escravocrata. Diante disso como dormir não é mesmo?

Atenta, com os olhos abertos, espaços públicos e privados são perigosos para nós, nossa integridade física, psicológica, sexual estão sempre em risco pela violência doméstica, pelos estupros, pela hipersexualização dos nossos corpos. Somos nós que mais morremos de mortes violentas neste país, a violência para nós é mais letal e nos últimos dez anos aumentou 54%. E estamos também mais expostas a violência sexual, somos 61%.

A nossa batalha começa cedo na busca por um serviço de saúde, quantas vezes, é na fila do SUS que vamos a aguarda o dia amanhecer e a vaga pra consulta. Sim, mais uma vez somos nós que esperamos mais tempo para sermos atendidas, começamos o pré-natal mais tardiamente e peregrinamos na hora do parto ou do abortamento.

 

Somos insurgentes, ressurgentes de cinzas. No entanto a luta pela vida das mulheres negras é a luta de todas as pessoas, é a luta por uma sociedade justa, igualitária e equânime para todos/as. Pois, a pirâmide social que demonstra o tempo inteiro que somos a sua base, nos revela que, o que impacta positivamente sobre nós, atingirá consequentemente, toda a sociedade, afinal somos a metade e criamos a outra.

+ sobre o tema

Transexuais contam histórias de vida: “nunca quis ser p…”

Reconhecido pela Índia, um gênero além do feminino e...

Sem desigualdade de gênero, mundo poderia ter PIB ao menos 20% maior, diz Banco Mundial

O Produto Interno Bruto (PIB) global poderia aumentar em...

Papa nomeia mulher para alta posição na Secretaria de Estado do Vaticano

Francesca Di Giovanni trabalhará na Seção para as Relações...

Mulheres negras ganham 55% de remuneração de homens brancos, diz estudo

Pesquisa afirma que número vai a 68% para homens...

para lembrar

Universidade opressora, não passará e nem calará – Por Stephanie Ribeiro

Única mulher, negra e bolsista da PUC-Campinas no curso...

Garoto vítima de homofobia se suicida em Vitória; pais culpam escola do filho

No último dia 17 de fevereiro um garoto se...

Machistas anônimos

acabo de fundar o MA, o Machistas Anônimos, alternativa terapêutica...

Sobre misandria e a reação do oprimido

Eu sinto que ‘ódio aos homens’ é um honorável...
spot_imgspot_img

Luta das mulheres voltou a pautar as ruas em 2024 e acendeu alerta para o retrocesso

A luta pelos direitos das mulheres no ano de 2024, que começou de maneira relativamente positiva para a luta das mulheres, foi marcada por...

Apenas cinco mulheres se tornaram presidentes nas eleições deste ano no mundo BR

A presença feminina nos mais altos níveis de liderança política permaneceu extremamente baixa em 2024. Apenas cinco mulheres foram eleitas como chefes de Estado...

Cidadania para a população afro-brasileira

"Eu gostaria que resgatassem um projeto desse sujeito extraordinário que foi Kwame Nkrumah, panafricanista, de oferecer nacionalidade de países africanos para toda a diáspora",...
-+=