Período sombrio da história contemporânea

Valores ultraconservadores são turbinados, numa pauta que guarda similaridade à do neofascismo

O crescimento da extrema direita, que se observa no mundo, se confirmou nesta quarta-feira (6) nos Estados Unidos com a eleição de Donald Trump para a Presidência do país. E valores ultraconservadores são turbinados, numa pauta que guarda similaridade à do neofascismo, na qual se impõe uma única religião, um modelo de família único, o fechamento das fronteiras ante a ameaça do imigrante e o recrudescimento da violência contra segmentos femininos, negros, indígenas, LGBTQI+, pessoas com deficiências, os sem-terra, os sem-teto e aqueles que defendem uma relação sustentável com o meio ambiente.

É um período sombrio da história contemporânea, que precisa contar com toda a nossa atenção para encontrarmos caminhos que permitam entender o contexto e construir alianças que retomem o caminho para a democracia.

No Brasil, vimos observando a violência que se abate sobre mulheres eleitas democraticamente, em particular as negras —e que vêm sendo covardemente ameaçadas por correntes conservadoras e de extrema direita, como é o caso da deputada federal negra Carol Dartora (PT-PR). A existência de parlamentares com esse perfil e com pautas focadas em direitos humanos e desenvolvimento ambiental sustentável é gatilho para a violência política e para ameaças sistemáticas.

Não por acaso, o recente julgamento histórico dos assassinos da vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes intensificou a violência que já vinha ocorrendo contra a deputada Dartora e outras parlamentares negras de diferentes regiões brasileiras. É possível constatar o recrudescimento das ameaças de morte, de sequestro, de estupro “corretivo”, ataques racistas e recorrentes mensagens de ódio. É uma nítida resposta à importância da agenda política proposta por essas mulheres que ameaçam o status quo ao lutar por valores civilizatórios e pelo fortalecimento da democracia em nosso país.

Num sistema político, econômico e social que se alimenta do “mal viver”, a reivindicação do Bem Viver é, por si só, revolucionária. Trata-se de um novo pacto civilizatório construído e proposto coletivamente com base em valores inegociáveis como justiça, equidade, solidariedade e bem-estar para toda a população brasileira.

Essa agenda foi a tônica da Marcha das Mulheres Negras em 2015, em Brasília, ou seja, três anos antes do brutal assassinato de Marielle e Anderson. A nossa querida Marielle, portanto, já era a expressão política dessa pauta, e daí o golpe ter sido tão duro. Daí também a reação em massa das mulheres negras que multiplicou o número de candidatas negras e eleitas para ocupar os cargos parlamentares.

Essas novas Marielles representam uma agenda que contempla o direito à vida, ao trabalho, à terra, ao território, à moradia. Defendem a justiça ambiental, os bens comuns e a não mercantilização da vida.

E essa pauta estará novamente na rua, na Marcha das Mulheres Negras pela Reparação e Bem Viver, que ocorrerá em novembro de 2025, contribuindo para que nosso país se fortaleça e avance num contexto cada vez mais civilizado.


Esta coluna foi escrita com a colaboração de Angélica Basthi, da Cojira-Rio


Cida Bento – Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP

+ sobre o tema

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...

para lembrar

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...
spot_imgspot_img

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro no pé. Ou melhor: é uma carga redobrada de combustível para fazer a máquina do racismo funcionar....

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a categoria racial coloured, mestiços que não eram nem brancos nem negros. Na prática, não tinham...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira (27) habeas corpus ao policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida, réu por assassinato de Guilherme Dias...