Pixuleco e a humanização dos desalmados

acordo com uma enorme vontade de fazer nada. abro a janela e o mar me convida. lá embaixo, estranhos pedestres.

por lele teles via Guest Post para o Portal Geledés

Reprodução/ Twitter

o meu vizinho, grave e sisudo, destes que não dão bom dia, sempre com uma gravata a enforcá-lo, atravessa a rua com chinelos de dedo, bermudão e camiseta branca.

lépidamente.

a filha pequena brinca com o cãozinho; a esposa, sempre elegante – chapéu enorme – carrega uma bolsa de palha de coco: imagino o que vai dentro: cangas, protetor, livro, baldinho e pá para coletar os excrementos do shitzu.

sorriem como gente humana.

é sempre assim. nos finais de semana, aquelas máquinas burocráticas voltam a ser gente.

pisam na areia, gargalham, compram fuleiragens dos ambulantes para a filhinha e sorriem até para aqueles vendedores de queijo sapecado na brasa.

olho pro meu pranchão escorado na parede, olho pra mesa do escritório, tem lá uma caneca de chá fumegando e pão integral.

decido ler e escrever.

a praia que se dane, que se danem aqueles humanos de fim de semana.

abro o note e vejo uma foto linda, mas muito linda mesmo da cartunista Laerte, sentada num sofazão, ao lado do neurocientista dread Carl Hart.

sorrio.

corro a minha timeline e, pelas barbas de Bin Laden, pululam imagens de Pixuleco.

há uma espetacular, o âncora da Globo fecha as persianas para que o Boneco Inflado não apareça, mas o sacana bota a cabecinha por trás do ombro do cabra.

gargalho.

fico sabendo, olhos ainda com remela, de que uma jovem estudante mitou ao desinflar aquele acinte.

um furico e Pixuleco desabou na frente dos retardados online.

lembrei-me de Merval Pereira.

quando atacaram o Instituto Lula – reparem que a casa leva o nome do cabra – o imortal desumanizou o ato. disse que se tratava de um mero artefato inócuo que provocara apenas um furico numa parede externa do edifício.

lembrei, na crônica que escrevi sobre o caso, que bastava um mero furico na testa de Merval e ele deixaria de ser imortal.

antes de começar a escrever esta crônica, vejo um print no site do Azenha com os tuítes d’O Globo gritando a morte de Pixuleco, buscando um assassino, querendo incriminá-lo.

para a moçada do Globo, Pixuleco não era somente um bonecão abjeto que mostrava Lula como um prisioneiro; era o próprio Lula cativo, sob a guarda dos Retardados Online.

por isso as expressões superlativas: esfaqueou, armaram uma emboscada, polícia pericia…

por incrível que pareça, os Revoltados, sempre altivos, estavam de cabeça baixa, tristes, olhando para o boneco murcho, como se chorassem a morte do único Lula que aprenderam a amar, um suposto Lula prisioneiro.

essa era uma espécie de humanização daquela aberração. todo mundo precisa de um Lula para chamar de seu.

no entanto, o Lula de Manu era outro. carne e ossos. mas que também tinha suas representações simbólicas.

Manu era do tipo que sabia que abraçar o Instituto Lula era como dar um abraço no ex-presidente. e atacar o Instituto era atacar o seu homônimo.

por isso, Manu desejou a morte simbólica daquela aberração. porque ela ia se impondo na mídia marrom, a substituir o Lula real.

ao “matar” Pixuleco, Manu desumanizou o godzila da direita. era como se dissesse: vejam, isso é apenas um boneco inflado, não é Lula, Lula é esse que aparece sorridente comigo aqui no meu Facebook.< fiquei com uma vontade danada de abraçar Manu.

olho para o meu pranchão, estico as canelas, alongo a espinha. é, acho que vou à praia. lá, fagueiro, abraçarei meus vizinhos agora humanos.

e direi entre prantos e sorrisos:

mataram Lula, Lula está vivo.

palavra da salvação.

 

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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