PM de Salvador ameaça comunidade após chacina, denuncia Anistia Internacional

Após moradores organizarem marcha contra ação do Rondesp que deixou 12 mortos no começo do mês, agentes passaram a abordá-los com mais truculência, relata entidade

Por Wanderley Preite Sobrinho no Carta Capital 

Rendidos e desarmados. É assim que os 12 jovens supostamente assassinados pela Polícia Militar da Bahia no dia 6 de fevereiro são descritos pelas ruelas do bairro Cabula, na periferia de Salvador. Porém, desde que a versão dos moradores para o massacre se espalhou, a PM passou a rondar o bairro distribuindo ameaças a seus moradores, denuncia a Anistia Internacional.

A história passou a circular na quarta-feira 11, quando os moradores do Cabula decidiram fazer uma passeata pelo bairro marcada para terminar no campinho de futebol, justamente onde os jovens, de joelhos, teriam sido executados. Responsável pelos direitos humanos da Anistia Internacional no Brasil, Renata Neder vem acompanhando o caso de perto. Ela conta que a entidade aproveitou a marcha daquele dia para conversar com os moradores que, sob a condição do anonimato, relataram a suposta execução.

Desde então, a versão ganhou corpo e os policiais passaram a visitar o bairro com frequência e demonstrar truculência excessiva. “Desde a marcha, a presença da PM vem sendo constante e ameaçadora. Ela coloca medo nas pessoas. Esse comportamento desestimula o testemunho de membros da comunidade diante da Justiça”, avalia Renata.

Quem passou a ser ameaçado pela polícia antes mesmo da marcha foi o ativista Enderson Araújo, que deixou Salvador. Ele conta ter sido abordado por um PM ao sair de uma padaria na segunda-feira 9. “Ele disse que era melhor eu segurar o dedo e parar de escrever porque ficaria sem segurança”, recorda Araújo, para quem a ameaça foi motivada por uma matéria dele publicada no site de CartaCapital sobre essa ação da Polícia Militar.

A história dos moradores contrasta com a narrativa dos policiais da Rondesp – o Bope baiano. Segundo o grupamento, os nove agentes envolvidos se defenderam de uma troca de tiros com 30 suspeitos de planejar um assalto bancário. As mortes, portanto, foram registradas como Auto de Resistência, a lesão corporal ou morte decorrente de intervenção policial. Nenhum PM, contudo, foi ferido ou morto após a suposta troca de tiros.

Questionada pela reportagem, a Secretaria Estadual de Segurança da Bahia confirmou que os nove policiais envolvidos na ação não foram afastados de suas atividades. Para a Anistia Internacional, um grave erro: “O ideal nesses casos é afastar o policial das ruas para que ele tenha acompanhamento psicológico. Matar uma pessoa não é banal, matar 12 é menos banal ainda”, acredita Renata, que diz ter evidências de que a cena do crime não foi preservada. “Se os agentes estão trabalhando é sinal de que nem as armas foram recolhidas para perícia.”

Pouco se sabe sobre o que o novo governador do Estado, Rui Costa (PT), pretende fazer a respeito 12 dias depois do evento. Por enquanto, sua única manifestação foi afirmar que um PM de arma em punho “é como um artilheiro em frente ao gol”. Procurado pela reportagem, não respondeu aos contatos de CartaCapital. Rui Costa também recusou-se a se encontrar com a Anistia Internacional e, convidado, não compareceu ou sequer enviou representantes a uma reunião com movimentos sociais na terça-feira 10.

PT defende o governador

Para o presidente estadual do PT na Bahia, Everaldo Anunciação, a liberdade dos suspeitos garante que eles não sejam condenados antes do inquérito, que precisa ser entregue pela polícia ao Ministério Público até o dia 10 de março. Sobre a postura do PT diante do caso, disse que espera do governo “uma apuração dura e profunda”, e promete: “o governador não tem nenhum compromisso com esse comportamento conservador.”

A segurança pública promete ser o calcanhar de Aquiles de Rui Costa, eleito governador pela primeira vez na eleição do ano passado. O índice de homicídios por 100 mil habitantes na Bahia pulou de 24,8 para 34,4 entre 2007 e 2013, de acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Além de ostentar o título de estado com o maior número de assassinatos (5.440 em 2013), a Bahia é dona da cidade mais violenta do Brasil: Simões Filho tem uma taxa de 141,5 homicídios por 100 mil habitantes, longe da segunda colocada, Campina Grande do Sul, no Paraná, onde esse índice é de 107 por 100 mil habitantes.

“A Secretaria de Segurança da Bahia também não divulga as mortes cometidas por policiais”, lamenta Renata. Informalmente – com dados de delegacias –, o Anuário estima em 313 o número de pessoas assassinadas por agentes do estado em serviço ou fora dele em 2013.

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